ELENA no Estadão
10 de maio de 2013


Hoje, ELENA foi capa do Caderno 2, do jornal O Estado de São Paulo. Flavia Guerra escreveu matéria relacionando os filme de Petra Costa e  Caetano Gotardo (“O que se Move”) enquanto Luiz Zanin, em crítica, lembrou que além de comover os espectadores no Festival de Brasília, ELENA saiu de lá com os prêmios de melhor direção, montagem e direção de arte.

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A falta que nos move

Em seus dois longas de estreia, Petra Costa e Caetano Gotardo fazem cinema intimista e, ao mesmo tempo, universal

Por Flavia Guerra

“Você é minha memória inconsolável”, diz a narradora, e diretora, Petra Costa a Elena, sua irmã que ela perdeu aos sete anos e para quem ela dedica o longa-metragem homônimo, o primeiro de sua carreira, que chega aos cinemas na sexta.

Quem é Elena? Nascida em plena ditadura militar, filha de pais militantes, Elena é a garota que passou a primeira infância escondida, que viu na adolescência o Brasil se abrir e ganhar modernidade e que viu também a irmã Petra chegar em 1983, quando ela tinha 13 anos. Viu chegar também a vontade, e a necessidade de se tornar atriz e de tentar a carreira em Nova York, para onde se mudou. Pouco tempo depois, viu seus sonhos ruírem diante dos tantos nãos que recebeu. Viu-se diante da impossibilidade de praticar sua arte e da vontade e de morrer.

A morte de Elena deixou na irmã Petra a memória e a perda que a acompanharam por anos e que a levaram a, em 2003, 13 anos depois da partida de Elena, matricular-se no curso de teatro da Columbia University. “Voltei para NY para também ser atriz, percorrer seus passos, na esperança de encontrar as memórias que ela escreveu em seus diários. Eu a buscava pelas ruas da cidade”, conta a diretora.

É esta memória que não tem consolo, não se esquece, mas dá, em vez de somente dor, origem e sentido a tudo, inclusive ao filme. “Qual é nossa saudade inconsolável? Cada um tem a sua. E muitas vezes a gente evita até de pensar nesta memória e, em vez de aprender a dançar com ela, nega”, comenta a diretora, que fez de seu primeiro longa muito mais que um documentário clássico. Ao narrar em primeira pessoa, em uma conversa com Elena, Petra escreve um diário muito pessoal da busca pela memória da irmã e da luta para aprender a lidar com tamanha ausência.

É exatamente a perda que também é a pedra de toque de O Que se Move, de Caetano Gotardo, outro jovem diretor que assina seu primeiro longa. Na trama, ficcional mas inspirada em três notícias que ele leu nos jornais no início dos anos 2000, três histórias paralelas narram o drama de três famílias convivendo com a falta de um filho. “Os dois longas têm muitas semelhanças. A questão do feminino, do luto, da família…”, diz Petra. “São filmes diferentes. Um é documentário. O outro é ficção. Estilisticamente são também diferentes, mas que tematicamente conversam. Os dois têm a perda como ponto de partida e têm a figura feminina, e a da mãe, como ponto muito forte”, comenta Gotardo.

Apesar de preferir não explicar quais são as notícias que o inspiraram inicialmente, o diretor ressalta que foram fatos que o abalaram sobre histórias de vidas que, assim como na tela, conversam entre si. “Fiquei realmente muito tocado com as notícias quando ocorreram. E elas não me abandonaram por anos. Persistiram na memória”, conta o diretor. “Eu tinha um arquivo com vários recortes e, quando pensava em algum com o qual queria trabalhar, sempre me vinham estes três em mente. E vinham juntos. Foi assim que comecei a pensar em uni-los.”

Gotardo conta que, apesar de nunca ter enfrentando uma grande perda, sempre foi sensível ao tema. “Histórias de perda sempre me comovem muito. Sou muito apegado às coisas e tenho a angústia constante da falta. E sempre me interessaram muito as figuras das mães que têm de lidar, cada uma a seu modo, com uma perda e uma mudança muito dura em suas vidas.”

Assim como Elena, mais que fatos, é a sensação dos personagens, como cada um sente, e canta, suas dores e suas faltas que move suas vidas. Em O Que se Move, o tempo, este sim em constante mutação, dá o tom à narrativa muito real e, ao mesmo tempo, pessoal de cada história. Mais que as histórias em si, Gotardo acredita que é a percepção da realidade que tem muito a ver com os curtas que ele já realizou e com o filme de Petra.

Quando questionados sobre a opção de tratar de temas tão íntimos e densos em seus primeiros longas, Petra e Gotardo respondem com naturalidade. “Já ouvi que este é o tipo de filme que se devia fazer no final da carreira, que ‘se eu ia começar falando de um tema tão denso, do que iria falar no fim da vida?’ Mas eu sentia como se fosse um dever falar disso antes de morrer. Foi a única vez que senti isso na vida. E quis tirar logo isso no caminho”, conta Petra. “Nossa geração é livre para tratar de temas que, sociais ou pessoais, nos tocam. Aceitamos o que se mostra urgente para a gente e, ficção ou doc, falamos do mundo, mas sempre do que nos move.”

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A incisiva questão que os mortos colocam aos vivos

Documentário feito em primeira pessoa apresentado ano passado no Festival de Brasília comoveu o público presente na sessão

Por Luiz Zanin Oricchio

Elena, de Petra Costa, é um documentário feito em primeira pessoa que tem em vista a irmã da cineasta, cujo nome dá título ao filme. Foi apresentado ano passado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e saiu com três prêmios – direção, montagem e direção de arte. Comoveu o público presente na sessão.

 E, de fato, é muito emocionante. Fala da irmã de Petra, atriz talentosa que tenta fazer carreira em Nova York, fracassa e termina por se matar. É a história da destruição de uma vida, narrada em tom sensível e intimista. A família tinha o hábito de se filmar e, desse modo, ela possuía um bom material de arquivo em VHS para recuperar imagens e a memória da irmã.

Que, claro, é memória de si mesma. Quem fala de um ente querido, ainda mais se terminou de maneira trágica, também fala de si. Talvez fale sobretudo de si. Da maneira como conviveu com o desaparecido e o modo como assimilou a perda brusca e, até certo ponto, inexplicável. Qualquer fim de vida como o de Elena contempla esse lado de mistério. A interrupção voluntária da vida é uma interrogação, uma pergunta de quem se foi para quem ficou. Algo, no limite, irrespondível, mas que, de alguma forma, solicita respostas, ainda que parciais e fragmentárias.

Ficamos curiosos com a obsessão de Elena, um talento promissor, em se dar bem em um país estrangeiro. Ainda mais num ambiente altamente concorrencial, como o norte-americano, e expressando-se numa língua que, para ela, seria sempre estrangeira. Há, então, esse “estranhamento” de Elena. Buscado de maneira poética pela diretora, o que também é uma forma de destacar-se do “objeto”, sem por isso colocar uma perspectiva excessivamente longínqua.

Falando de Elena, Petra fala de si. Às vezes explicitamente, como quando segue os passos da irmã em Nova York e projeta, para si, uma carreira semelhante. A voz over que acompanha a narração é da própria Petra, tentando escavar essa presença de Elena, que se faz, por paradoxo, pela ausência. Nesse sentido, o filme é uma reflexão sobre a função da memória. Daquela sutil presença dos mortos, que se faz notar em velhas fotos, em filmes, nas casas que habitaram, nas roupas que não lhes servem mais e, acima de tudo, na lembrança que deixaram. Por isso se diz que alguém só está completamente morto quando morrem aqueles que dele se lembravam.

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