ELENA no Zero Hora
17 de maio de 2013
Leia, abaixo, matéria sobre o filme no Segundo Caderno, do jornal Zero Hora – ELENA estreou hoje (17.02) na cidade
“Elena”, o poético inventário de um prolongado luto
Premiado documentário que estreia em Porto Alegre nesta sexta-feira destaca relação da diretora Petra Costa com sua irmã
Por Marcelo Perrone
Ao recriar os passos da sua irmã mais velha e tentar compreender os caminhos, desvios e o atalho por ela tomados, a diretora Petra Costa revive uma dor que traz entranhada desde os sete anos. E a reflete em sua própria trajetória, de forma mais poética do que catártica.O documentário Elena, em cartaz a partir desta sexta-feira, em Porto Alegre, é o impactante resultado dessa operação de rescaldo afetivo.
A passagem de Elena pelo circuito de festivais arrebatou público e crítica — ganhou quatro prêmios na mostra de documentários do Festival de Brasília 2012, incluindo os de melhor direção e melhor filme pelo júri popular. Cineastas como os irmãos Walter Salles e João Moreira Salles tornaram-se entusiasmados divulgadores deste primeiro longa-metragem de Petra.
Reconhecimento esse que se justifica diante da beleza formal do documentário e da delicada forma encontrada por Petra para contar a história de Elena, atriz que desembarcou em Nova York querendo trabalhar em cinema e teatro, sonho que se transformou em desencanto e a levou a cometer suicídio aos 20 anos, em 1990.
— A ideia de fazer o filme veio quando o grupo de teatro que eu integrava, aos 17 anos, propôs como exercício encenar o “livro da vida” — diz Petra. — Encontrei os diários de Elena e percebi que as palavras dela, também aos 17 anos, eram as minhas, compartilhávamos as mesmas inquietações. Ali estava o livro da minha vida.
A diretora mineira de 29 anos tinha sete quando a irmã morreu e vivia com ela em Nova York, mudança providenciada pela mãe delas quando se percebeu a instabilidade emocional de Elena. A cidade é o cenário do presente no filme. Lá, Petra percorre ruas e lugares guiada pelos relatos que Elena enviava à família em fitas cassete. O passado ressurge em filmes e vídeos que revelam a amorosa relação entre as irmãs — Elena tinha 13 anos quando Petra nasceu.
— As mulheres da minha família sempre tiveram uma câmera na mão, desde minha avó, passando por minha mãe e por Elena. Encontrei filmes e fitas de vídeo que já estavam se deteriorando – conta.
Petra já havia feito uso desse baú de memórias visuais de sua família no premiado curta-metragem Olhos de Ressaca (2009), sobre os 60 anos de relacionamento de seus avós maternos. Ao costurar as imagens do presente e do passado, Petra aparece como narradora, personagem e artesã de um apuro estético — visual e sonoro — que coloca o filme no registro de um ensaio poético e psicológico. Cenas dramatizadas, como as da diretora e sua mãe boiando sobre a água, sublinham, nessas lembranças dolorosas, por vezes fugidias, elementos elegíacos e etéreos. É o que a diretora define como a “memória inconsolável”, a “dor que vira água e vira memória”.
— Essa concepção visual foi prevista primeiro, por ser a origem do projeto um trabalho para o teatro. Fiz o filme se adequar a essa linguagem. Sou inspirada pelos cineastas que despontaram em paralelo à nouvelle vague trabalhando com filmes-ensaio, em especial a Agnès Varda.
O excepcional resultado alcançado por Petra lembra, no espelhamento das relações afetivas, o também buscado pela atriz e diretora francesa Sandrine Bonnaire em O Nome Dela É Sabine (2007), documentário no qual ela tem como personagem sua irmã autista:
— É um filme que me impressionou muito e me incentivou ainda mais a realizar Elena.
Elena destaca ainda um momento emblemático da história brasileira. A personagem título viveu parte da infância na clandestinidade, por conta da militância política de seus pais. Cresceu num ambiente de liberdade e militância impactado pela eleição de Collor para presidente, em 1989. Sua vontade de ser atriz de cinema esbarrou no desmantelamento da produção nacional pelo novo governo.
— Esse ambiente no Brasil, a dificuldade de trabalhar e também ter alguns amigos vítimas da aids colaboraram para sua depressão. Um pouco antes, um pouco depois, talvez a história tivesse sido outra. Fernando Alves Pinto fazia teatro com ela e trabalhou com o Walter Salles em Terra Estrangeira (filme de 1996 que retrata o desencanto com o Brasil da época). O Walter me disse após ver o filme: “Por que Elena não esperou?”.
Top 5
Documentários brasileiros sobre dramas familiares:
33 — Filho adotivo, cineasta Kiko Goifman sai em busca da mãe verdadeira.
Diário de uma Busca — A diretora Flávia de Castro investiga assassinato do pai, em Porto Alegre, no início dos anos 1980.
Uma Longa Viagem — Luci Murat dirige este acerto de contas com o irmão, enviado pelos pais ao Exterior durante a ditadura militar que Lúcia combateu no país.
Santiago — O acerto de contas, aqui, é entre o diretor João Moreira Salles e o mordomo de sua família.
Rocha que Voa — Documentário de Eryk Rocha sobre a figura de seu pai, o cineasta Glauber Rocha, e seus parceiros de cinema na América Latina.
“A arte apela por franqueza de sentimentos, inclusive, os mais difíceis de serem narrados. Nela, apesar de ser uma afirmação ingênua, se tenta dizer tudo”