ION Cinema diz que ELENA é um poema de amor
30 de abril de 2013
O conceituado site ION Cinema, especializado em cinema mundial, resenhou ELENA durante o Hot Docs, festival internacional de cinema canadense, no qual o filme foi exibido três vezes.
Leia, abaixo, a tradução da resenha ou, no original em inglês, na página do ION Cinema.
Vamos flutuar: Petra lamenta a perda da irmã em retrato íntimo
Petra Costa vem tentando processar a dor do suicídio da irmã mais velha há mais de duas décadas. O primeiro documentário longa-metragem da jovem diretora, ELENA, é um poema sinfônico de amor pós-morte, dirigido à que partiu como se para publicamente lembrar a irmã de seu valor e questionar a covardia. Permeado pela brutalidade emocional que segue à perda de uma pessoa amada, o filme de Petra mescla intimidade crua com um ar etéreo para trazer a irmã de volta para a vida com lúcida vivacidade numa continuada celebração de seu impacto duradouro. Em vida, Elena foi uma dançarina brasileira que rumou a Nova York determinada a se tornar atriz de cinema. Seguindo os passos da irmã, Petra põe a câmera na mão, atua diante dela e deixa a voz acompanhar num elegante distanciamento a montagem fortemente pessoal que construiu.
Não é o primeiro trabalho profundamente pessoal que Petra lança na arena do não ficcional. Em 2009, fez sua estreia no circuito de festivais com “Olhos de Ressaca”, um curta cinematograficamente poético que celebra o duradouro amor incondicional de seus avós de forma igualmente transcendental. Ambos os filmes fazem uso extensivo de fotos de família, vídeos caseiros e uma introspectiva voz em off, mas enquanto “Olhos de Ressaca” celebra os vivos por meio das eloquentes declarações fortuitas dos avós, Elena lamenta os mortos através de revisitações genuínas e duras revelações. Muito jovem para lembrar todos os detalhes danosos do evento, Petra pede à mãe que volte ao apartamento onde sua irmã foi encontrada. Ali as experiências nuas, cruas, de remorsos, saudades e amor profundos contrastam com as frias constatações do atestado de óbito. Esta inclusão brusca pode parecer apenas uma pequena amostra da ira que reside agora em ambas, mas nem Petra nem sua corajosa mãe vão se esquecer da Elena que tanto amaram.
Muito antes de cair nas garras da depressão, Elena foi uma menininha de olhos brilhantes, movida pelo sonho de se tornar atriz. Ao crescer, apoderou-se de uma câmera de vídeo da família como se fosse sua. Pensava a lente como sua audiência diante da qual dançava, cantava e, eventualmente, como meio de construir seus próprios curtas nos quais colocava sua família em papéis secundários. É nesses momentos de atuações apaixonadas que Petra reproduz a alma da personalidade de sua irmã e revela o cerne da relação entre as duas. Elena era sua irmã mais velha, que a queria muito bem, a entretinha, e a fazia se sentir orgulhosa com os agrados, brincadeiras, atenção amorosa. Nós a vemos dando piruetas em câmera lenta tanto em casa como no palco, e com a câmera e inocência juvenil, dirigindo a lua para seguir seus passos. Ela também lhe ensinou o significado da vontade e da dedicação pessoal, mas ai está a trágica ironia da relação—com os presentes dados pela irmã, Petra lamenta a perda como meio de processar insondáveis sentimentos.
Intensamente pessoal, o filme ainda nos chega como totalmente necessário não só como expressão artística, mas como uma jornada transformadora levando das arrasadoras perplexidades da adolescência à forma completamente realizada de ser mulher. Hoje adulta, Petra tinha apenas sete anos quando perdeu a irmã e estava no final da adolescência quando encontrou os diários reveladores de sua irmã que deram forma ao filme. Enquanto “Olhos de Ressaca” usou a água como metáfora natural do ser transbordado pela emoção, aqui Petra usa a água como meio de limpeza emocional e caráter assumido. No momento mais deslumbrante visualmente do filme, um grupo de mulheres flutua rio abaixo como a representar a resiliência do espírito humano diante da tragédia. Belamente poético porém de uma penetrante crueza na retratação, ELENA desvenda toda emoção devastadora sentida quando uma pessoa amada nos deixa e é como se nos desse um grande abraço acolhedor, deixando saber que podemos seguir em frente, mas não vamos nunca esquecer. Essa é a intimidade da morte pela lente da empatia e do desapontamento familiar—difícil de presenciar, mais difícil ainda, virar-lhe as costas.
“O que é nossa vida, senão um fragmentar-se e reconstruir-se o tempo todo?” Resenha de Paulo Spolidório.