“O cenário na Turquia é de luta, emoção e solidariedade”, diz Petra Costa
5 de junho de 2013

por: Graziela Salomão e Igor Zahir – Marie Claire – 5/6/2013

A cineasta brasileira foi até Istambul para divulgar seu novo filme “Elena”. Na cidade, encontrou manifestos nas ruas e a população unida pelo único objetivo de protestar contra o governo do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Petra, que também aderiu à causa, descreve para Marie Claire tudo o que aconteceu por lá

"ENTREVISTEI UMA FEMINISTA QUE SE MOSTROU ORGULHOSA, POIS PELA PRIMEIRA VEZ O POVO DOMINOU A SITUAÇÃO" (Foto: Reprodução/Facebook)

“Um manifesto vindo de um lado. Pessoas de classes distintas se encontrando no mesmo local, gritando e lutando pela mesma causa.Uma bela demonstração de solidariedade, antes de tudo”. É assim que a cineasta brasileira Petra Costa descreve os manifestos que tomaram conta da Turquia desde o início de junho. Segundo a ONG Anistia Internacional, já são ao menos dois mortos e mais de mil feridos.

Petra foi até Istambul para divulgar seu filme, “Elena”, em um festival de cinema. No entanto, ao chegar à cidade, deparou-se com um cenário de revolta, causado pela indignação do povo com o governo do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Segundo a cineasta, além da derrubada de um parque, os turcos foram tomados por insatisfações antigas, que deram origem aos manifestos que, hoje, arrastam mais de 10 mil pessoas pelas ruas. “Entrevistei uma feminista que está há 15 anos no ativismo político e nunca viu nada surtir efeito. Ela me disse que, pela primeira vez, está presenciando a sociedade dominar a situação”, disse Petra com exclusividade para Marie Claire. A seguir, confira a conversa completa:

A CINEASTA PETRA COSTA EM MEIO AOS MANIFESTOS (Foto: Muhammed Hamdy e Petra Costa)

Marie Claire: Que tipo de manifestações você viu na Turquia ao chegar para divulgar seu filme? Como está o cenário, o clima local?
Petra Costa
: Está mudando muito. Quando cheguei era uma manifestação para que não se derrubasse um parque e acontecia apenas naquele local. Porém, como os policiais atacaram as pessoas com gás lacrimogêneo, a população chocada se solidarizou e aderiu à causa. No início, ramos apenas cerca de 50 manifestantes. Artistas, moradores e turistas foram tomando as ruas. A rua principal da cidade, que é um ponto turístico, foi inteiramente ocupada por milhares de manifestantes. Foi quando a polícia começou a nos atacar com o gás. Eu estava hospedada no hotel ao lado e, ao caminhar pela manhã, vi a manifestação acontecendo e passei a fazer parte dela. Tomei bastante gás, por sinal.

MC: Há um sentimento geral de medo ou revolta?
PC: 
Agora mudou um pouco. Por dois dias tudo ficou muito agressivo, pois a polícia estava atacando. Depois que os manifestantes retomaram a praça, as coisas começaram a se acalmar e os policiais se retraíram, saindo de lá. Nesse momento, a sensação é quase parecida com a de um festival de música. Os jovens dominaram tudo, passam o dia inteiro tocando os seus sons pelas ruas e não está havendo mais confronto tão pesado.

A CIDADE TOMOU CONTA DE TUDO E PETRA REGISTROU SINAIS DO VANDALISMO CAUSADO PELA REVOLTA (Foto: Reprodução/Facebook)

MC: Fala-se em uma forte censura da mídia turca em relação aos protestos. Você tem visto os jornais e as TVs locais? Percebe essa censura?
PC:
 Sim, a censura é grande. Na TV local só tem um canal que mostra o que aconteceu. Aos poucos é que um ou outro estão tocando no assunto. Nos quatro primeiros dias, isso foi ignorado pela mídia turca.

MC: Na fanpage do seu filme, você descreve a seguinte situação: “A onda de protestos cresceu na Turquia depois que as manifestações foram reprimidas com violência pela polícia local. Além da força, gás lacrimogêneo e jatos de água foram usados para tentar dispersar a população. Nesta segunda-feira (3), um jovem turco de 20 anos morreu depois que um táxi atropelou um grupo de pessoas que protestam contra o governo em uma rodovia de Istambul”. Pode explicar mais detalhes sobre isso?
PC:
 Eu não estava presente, mas vi na BBC. Os meios de comunicação daqui nem mesmo deram isso. Hoje mesmo entrevistei uma pessoa que disse que os veículos daqui continuam ignorando até esses casos.

MAIS REGISTROS DOS RESULTADOS DOS PROTESTOS (Foto: Reprodução/Facebook)

MC: Já é o sexto dia de protesto. Está claro até quando os manifestantes pretendem prosseguir? A sua impressão é de que o movimento tem ganhado força e conquistado mais adeptos?
PC:
 Com certeza tem ganhado força. O parque está completamente ocupado por cerca de 10 ou 15 mil pessoas. São pessoas de diferentes partidos políticos, classes sociais e faixas etárias. Está todo mundo bem envolvido e me parece que cada hora se desenvolve mais. Outras cidades da Turquia parecem aderir à causa. Isso não vai parar por aqui não. O mais interessante é que, aos poucos, eles descobrem um novo motivo para protestar. Começou com a demolição do parque e o projeto de Erdogan de supostamente tornar a cidade mais neoliberal. O início da revolta foi quando ele destruiu um cinema antigo, mas foi algo pequeno, sem muita visão. Com isso da praça e pela força da repressão usada, as pessoas se solidarizaram e tomaram voz. Já tem uma marcha crítica, uma antipatia em relação ao primeiro-ministro.

MC: Como está sendo a participação dos jovens e das mulheres nesses protestos? Eles estão ativos em número significativo entre os manifestantes?
PC:
 Os jovens estão se destacando muito. A faixa etária é de 15 a 35 anos. Eles cresceram num país circular. Prezam muito pela cultura do país e as atitudes políticas são muito complexas. As mulheres também são muitas e em número quase igual ao de homens. Entrevistei uma feminista que falou que existem tanto mulheres com véus islâmicos quanto ateias participando, juntas, da mesma causa e com o mesmo sentimento de revolta.

APÓS OS JOVENS RETOMAREM A PRAÇA, O CENÁRIO É SEMELHANTE AO DE UM FESTIVAL DE MÚSICA, DIZ A CINEASTA (Foto: Reprodução/Facebook)

MC: As formadoras de opinião da Turquia – apresentadoras, jornalistas, escritoras – já tomaram algum partido ou encabeçaram algum movimento a respeito disso?
PC: 
As feministas é que têm se envolvido mais porque, apesar do aborto ser legalizado na Turquia, Erdogan fez algumas declarações contrárias a ele. Com isso, ele conseguiu que elas ficassem contra seu governo. Todas as questões que levavam o povo a sentir antipatia por ele estão vindo à tona neste momento. Parece que ficou muita coisa presa, se acumulando com o tempo. Imagino que o povo tenha passado os últimos anos tentando conseguir um gancho para dar início a essas manifestações, pois chegaram com muita força.

FOTOS FEITAS POR PETRA E SUA EQUIPE NO LOCAL (Foto: Muhammed Hamdy e Petra Costa)

MC: Qual exemplo os brasileiros podem tirar dessa atitude dos turcos?
PC:
 Tomamos as ruas do Brasil no impeachment do Collor, só que desde aquela época fizemos algumas mobilizações pequenas. Ao mesmo tempo, temos tantas insatisfações com atitudes políticas ou patrimônios culturais que são destruídos para virar prédios e não fazemos nada. Uma pessoa apenas não pode mudar nada, mas se nos juntarmos, podem existir resultados. Tudo aqui começou pela possível destruição de um parque e foi um movimento pequeno que, com a participação das pessoa, ganhou força. Os jovens tem a possibilidade de reverter essas insatisfações, basta terem consciência de que podem isso. Não vivemos mais em uma ditadura.



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