O Tempo fala sobre ELENA
9 de maio de 2013

Leia, abaixo, a transcrição da matéria que saiu no jornal O Tempo, de Belo Horizonte, em 9/05.

A arte que suplanta a morte

Por Daniel Oliveira

A jornalista e socióloga mineira Li An sonhava em se tornar atriz de cinema nos anos 1960 e “beijar Frank Sinatra”. O sonho se revelou uma impossibilidade que se transformou numa depressão vivida por ela durante três anos antes de se casar.

Vinte anos depois, no fim da década de 80, sua filha Elena Andrade foi para Nova York com o mesmo desejo. Sob a pressão da carreira e de um forte processo depressivo, acabou se suicidando.

Outro salto de 20 anos e a filha caçula de Li, Petra Costa, 13 anos mais jovem que a irmã, se torna atriz, diretora e filma “Elena”, um documentário, que, para ela, não é simplesmente sobre depressão ou tristeza. “Para mim, o filme sempre foi sobre encenação. Sobre três atrizes que estão, em diversos momentos, encenando e reencenando a própria vida”, ela explica.

Em “Elena”, que chega hoje aos cinemas da capital, Petra e a mãe revisitam locações em Nova York, traçando um mapa geográfico-emocional do calvário da irmã/filha. As duas haviam se mudado com Elena para a cidade em 1990, na segunda vez em que ela tentou a sorte na cidade, e refazem no longa uma via sacra dessa paixão que a diretora chama de sua “memória inconsolável”.

O filme, primeiro longa-metragem da cineasta após o curta “Olhos de Ressaca”, estreou no Festival de Brasília do ano passado. Aclamado, ele ganhou os prêmios de melhor direção, montagem, direção de arte e filme pelo júri popular, na categoria documentário.

No longa, Costa pratica o que ela chama de “transformação da dor em arte”, traduzindo as memórias da irmã e os sentimentos que elas despertam – e que a cineasta tenta entender com o filme – em imagens poéticas belíssimas. Uma das matérias-primas usadas para isso são fitas de áudio que Elena gravava sobre sua experiência em Nova York e a angústia que a consumia.

Ao som dessas gravações, Petra aparece também como atriz, em cenas nas quais tenta entender o que aconteceu, ao mesmo tempo em que se identifica com a irmã. Para Petra, a arte do ator de conseguir se distanciar da vida, de forma a se enxergar como um personagem e não se identificar tanto, foi o que mais a ajudou no longa. “Olhar a história não como minha história”, sintetiza.

É essa perspectiva artística e poética da cineasta – formada em antropologia pela Columbia University, em Nova York – que diferencia “Elena” de outros filmes da atual onda “confessional” do documentário brasileiro. A fase de diretores que tratam de questões familiares na tela ainda inclui obras como “Otto”, de Cao Guimarães, e “Os Dias com Ele”, de Maria Clara Escobár.

O grande desafio desses filmes é transpor a autoindulgência e encontrar o universal no particular. “A quantidade de pessoas que se identifica e sente necessidade de falar comigo sobre situações parecidas é muito legal”, conta Costa.

“A história que eu queria contar era das três mulheres”, ela afirma. Não por acaso, a mãe cita o mito grego de Electra em uma cena, ressaltando “Elena” menos como um estudo patológico e mais como uma análise dessa herança do mistério feminino que passa de mãe para filha.

“O que aconteceu com Elena é misterioso e eu nunca vou entender”, confessa a diretora, que não acredita que a irmã queria se matar. Para Petra, ela queria dar um susto e chamar atenção para seu sofrimento, mas o filme não aponta diagnósticos e deixa em aberto a leitura do espectador. “Os motivos da tristeza são muitos. Viver é difícil, muito mais do que a gente imagina”, avalia.

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