Zeca Camargo revela as diferenças entre ELENA e “Homem de Ferro”
13 de maio de 2013

Leia, abaixo, trechos do texto que o apresentador Zeca Camargo escreveu sobre filmes, em seu blog no G1, e no qual dá suas impressões sobre ELENA.

De volta à sala escura

Por Zeca Camargo

Se, no meu retiro islandês durante as últimas férias, eu consegui ficar longe de uma tentação como a internet – e mesmo de notícias em geral (jornais, televisão, cabo etc.) –, imagine como foi minha relação com cinema. Nos meus primeiros dias de folga, confesso, fazendo uma escala em Paris, até fui conferir todo entusiasmado o último filme de Pedro Almodóvar: uma comédia esquisitíssima (note que usei o adjetivo “esquisitíssima” e não “engraçadíssima”), chamada “Os amantes passageiros”. Mas, depois disso, enveredei por destinos e programas que nem me faziam pensar em passar um par de horas em uma sala escura… Mas, como já faz pouco mais de 15 dias que voltei “à civilização” – isto é, à rotina minha de ávido consumo de cultura pop –, achei que já era hora de retomar minha paixão pelo cinema. E o fiz com uma trilogia de lançamentos que pode parecer estranha, mas que, como vou tentar explicar hoje, fez até um certo sentido: “Homem de ferro 3”, “Em transe” e “Elena”.

A primeira estranheza, para quem me acompanha aqui neste blog, vem logo com o primeiro título: por que eu teria escolhido “Homem de ferro 3”, sendo que notoriamente eu nunca me interessei pelos dois primeiros? Bem, digamos que fui convidado para ver o filme por um casal de amigos que tenho em boa conta – dois jornalistas cujo gosto idiossincrático muitas vezes combina com o meu. Ofereci certa resistência na primeira abordagem, mas eles me garantiram que eu iria me divertir – e assim, resolvi finalmente dar uma chance a Robert Downey Jr., que, coitadinho, está precisando dessa força na bilheteria (afinal, ele bateu “só” um bilhão de dólares em duas semanas com esse filme…). (…) Para a minha surpresa, na batalha final, não sobra nenhuma ponta solta. Saí do cinema com uma rara vontade de rever o que tinha acabado de assistir.

Achei que tinha começado bem no cinema – e, portanto, fui sem medo encarar “Em transe”. Afinal, o filme tinha um ótimo pedigree: seu diretor, só lembrando, já havia ganhado um Oscar por “Quem que ser um milionário?”. Sem falar em dois outros trabalhos seus que são pequenos clássicos: “Trainspotting – sem limites” e “Extermínio”. Um trailer que havia visto aqui na internet tinha me deixado animado – e foi nesse clima que tentei relaxar nos primeiros minutos de “Em transe”, quando somos apresentados a um espetacular roubo de uma valiosa obra de arte (um Goya!). O golpe dá errado – a pintura some, e o cúmplice da quadrilha por trás de tudo perde a memória e não sabe o que fez com a tela. E é aí que as coisas começam a dar realmente errado. Boyle – que é bom de criar fantasias (vide a obra já citada) – nos pede para sublimar a credibilidade e embarcar numa história sem pé nem cabeça. Ou melhor – ou pior: de vez em quando a trama faz sentido, mas como tudo é em cima de lembrança e esquecimento, quando ele precisa dar uma mexida no filme, adivinha o que acontece… O personagem principal, Simon (o bom James McAvoy), descobre uma “nova memória reprimida” – e pronto! É como se o filme recomeçasse a cada 15 minutos, mas em vez de melhorar a cada novo começo, ele só piora.

(…)

Um filme ótimo e um péssimo. Tudo estava equilibrado nessa minha reentrada nos filmes. Sobrou então para “Elena” dar o tom da temporada – para bom ou para ruim. Tecnicamente, não entrei em uma sala escura para ver a estreia da diretora Petra Costa. Sem tempo no fim-de-semana para ir ao cinema, recorri a uma cópia que a Busca Vida Filmes havia me enviado – e acabei vendo tudo no sempre desvantajoso suporte de uma tela de computador… Não gosto de apelar para esse recurso, mas minha curiosidade venceu meu preciosismo – e nos 90 minutos de brecha que tive ontem na hora do almoço (não, eu não estava na mesma cidade que minha mãe para comemorar o dia com ela…), debrucei-me sobre “Elena”.

Feito certamente com o orçamento de um dos créditos de “Homem de ferro 3” (aliás, fique até o final de “H3”, pois vale a pena ver esses créditos), “Elena” divide uma peculiaridade com o blockbuster: ambos os filmes começam com uma voz em off dizendo algo enigmático. Mas enquanto o solilóquio de Tony Stark não te prepara em nada para o que vem a seguir (ou, se prepara, é num plano muito, hum, abstrato), o que ouvimos na voz da própria diretora, Petra, é a chave para nos envolvermos com Elena, sua irmã mais velha, que se suicidou em Nova York em 1º de dezembro de 1990. Não, não estou entregando um “spoiler”. “Elena” é um filme biográfico, a história da própria fascinação da diretora com a trajetória da sua irmã – e por isso, o “segredo” do suicídio, se não fica claro nos momentos iniciais, logo é revelado ao longo do filme, que aborda questões que vão muito além desse acontecimento.

De cara, “Elena” me lembrou um outro documentário muito pouco visto e bastante celebrado chamado “Tarnation”. Em 2004, Jonathan Caouette criou frisson no Festival de Sundance com uma colagem sobre sua própria vida, que custou declaradamente US$ 218 (cerca de R$ 440,00!). Feito com um programa de iMovie e horas de arquivo pessoal – de filmes super 8 a fotos antigas, mais vários vídeos caseiros –, “Tarnation” é um trabalho emocionante. Tenho esse DVD na “estante de honra” da minha coleção – e recentemente vi, com prazer, que ele foi incluído na lista da “New York Magazine” dos 20 documentários “essenciais” do século 21. E tenho certeza de que “Tarnation” influenciou toda uma geração – essa de agora – que está começando a fazer cinema.

“Elena”, depois de um breve prólogo pelas ruas de Nova York, embarca pela mesma vertente, recuperando um filme amador que a mãe da diretora (e de sua irmã Elena) tinha feito na juventude, e enveredando pelas múltiplas performances de Elena para a câmera ao longo de sua infância e adolescência. Petra nasceu quando Elena tinha 13 anos – e já tinha sérias aspirações à carreira artística. A irmã mais velha imediatamente recruta a mais nova como “atriz coadjuvante” em uma nova temporada de registros, que são generosamente apresentados no filme.

Quando o ritmo de “Elena” ameaça ralentar perigosamente, Elena dá um salto ousado na carreira e muda-se para Nova York. A decepção com inúmeros testes de elenco infrutíferos acaba sendo proporcional à ambição – e Elena volta para casa (em Belo Horizonte) com sinais visíveis de que não está bem. (Um vídeo gravado com Petra e outras crianças comendo biscoitos e balas mostra uma Elena tão angustiada que é quase possível ler seu futuro naquele momento – esse é, na minha opinião, o arquivo mais forte de todo o filme). Mas surge uma oportunidade de ela voltar para lá – uma vaga na universidade – e dessa vez ela vai com a mãe e a irmã mais nova. Mas nada dá certo…

“Elena” vale a pena ser visto também pelos detalhes dessa tragédia pessoal – e por isso vou economizar aqui na minha descrição do filme. O que eu me vi perguntando, quando o suicídio finalmente acontece, é se aquela história transcendia o nível pessoal – que interessa só a Petra e sua família – a ponto de alcançar um público maior. Felizmente a resposta é sim. Mesmo sem ter ideia do que eu iria ver, fiquei hipnotizado pelo filme – a ponto de, a certa altura, me perguntar se era mesmo um documentário ou um desses “falsomentários”, ou “pseudo falsomentários” (onde isso vai parar?), tipo “Catfish”. (Sem saber da história real, cheguei a desconfiar que a mãe de Elena era uma atriz!).

Ninguém é capaz de sentir o impacto de um suicídio dentro da família como a própria família, claro. Mas Petra consegue sim contar uma história pessoal com um apelo universal – e faz isso com uma coleção de imagens documentais impactantes (as danças de Elena, seu retorno a BH) ao lado de cenas originais e belas (as mulheres flutuando em diáfanos vestidos). Fiz a brincadeira com os orçamentos de “H3” e “Elena” – e o mesmo pode ser dito com relação à bilheteria: a do segundo será apenas uma fração bem pequena do primeiro. Mas se para ver Robert Downey Jr. você nem pensa suas vezes, se por acaso você hesitar para comprar um ingresso para assistir a “Elena”, vá em frente.

As recompensas de cada filme não poderiam ser mais diferentes, mas são ambas extremamente preenchedoras.

Clique aqui se quiser ler a íntegra do texto na página do G1



<<< voltar para Destaque, Mídia