“ELENA foi quase como um abraço em mim”
15 de maio de 2013

Por Mariana Vaz – 15 de maio de 2013
Assisti ao filme na época da Mostra, em 2012. Tenho uma história parecida com a dela e, da mesma forma que sua história e a de Elena foi quase como um abraço em mim, imagino que a minha também possa transmitir algumas coisas boas.Nasci gêmea, monozigótica ou mais conhecido como “gêmeos idênticos”. Minha irmã Carolina e eu. Ser gêmea é um paradoxo no mundo atual, que se caracteriza pela singularidade do indivíduo, de laços fluídos e afetos instantâneos: a ligação gemelar significa compartilhar tudo, começando pela própria aparência (no caso de univitelinos)- o quê mais de singular e próprio um indivíduo pode ter.
Carola e eu nascemos numa madrugada de lua cheia de 11 de setembro do ano de 76. Minha mãe e meu pai se casaram, mas se separam em pouco tempo. Logo após a separação, aceitou uma proposta para trabalhar no Rio de Janeiro. Carola cresceu tímida e introvertida, mas profundamente inteligente. Coube a mim o papel de “relações – públicas” da dupla desde cedo. Todos nossos amigos na infância eram primeiro “filtrados”por mim e, se “aprovados”, se tornavam amigos “das gêmeas”. Essa dinâmica perdurou até a adolescência, quando Carola se libertou um pouco da sua timidez e quis escolher ela própria seus amigos.
Carola também tinha uma inclinação claramente intelectual. Lia muito desde a pré-adolescência. E escrevia muito bem também. Aquele era o “território” dela: ela era a gêmea intelectual. Eu tinha um perfil mais artístico – fiz teatro, fui assistente de uma pintora – e comunicativo. Cuidávamos emocionalmente uma da outra até o fim: brigávamos com meus pais caso a outra sofresse alguma “injustiça”, éramos capaz de nos meter nos affairs uma da outra caso o candidato começasse a decepcionar e qualquer briga da minha irmã em que ela precisasse de mim, ela sabia que me teria como aliada. E vice-versa. Nos defendemos, protegemos e amamos desde o começo até o fim.
Carola se formou como psicanalista e tinha como hobby a escrita; alimentou por quase 4 anos dois blogues. Eu fiz uma escolha mais “racional” por Administração de Empresas para uma carreira em Marketing. Naquela dinâmica de “dupla”, a Carola era a intelectual e eu quem trazia a “estabilidade” e, portanto, nada mais lógico que optar por uma carreira mais “estável” também. Carola já desde a adolescência demonstrava uma personalidade extremamente sensível, introvertida e muitas vezes temperamental. Muitas das frases de Elena me lembraram as coisas que minha irmã me dizia sobre ela mesma. Ela mantinha um blog de poesias e contos e, além da psicanálise, estava fazendo mestrado em Letras na Unicamp. Durante os 32 anos das nossas vidas, houve períodos que moramos juntas, depois separadas – ela se casou uma época – mas sempre nos falávamos todos os dias. Não é força de expressão.

Tínhamos pequenos rituais só nossos como tomar café da manhã juntas. Mesmo já morando em apartamentos diferentes – muitas vezes combinávamos de nos encontrar na padaria na esquina da casa dela, apenas para tomar café da manhã. Num desses domingos em que deveríamos nos encontrar, no dia 31 de maio de 2009, passei no seu apartamento e a encontrei morta. Ela deixou uma carta, a única, para mim. Do dia para noite, me vi amputada de alguém que foi o grande amor da minha vida e ocupou diversos papéis: de irmâ gêmea, melhor amiga, referência intelectual, mãe, filha…. Posso afirmar sem nenhum exagero que era a pessoa mais importante da minha vida.

Nesses 4 anos após a morte de minha irmã, estive muito próxima de me entregar e ir junto com ela. Senti e ainda sinto, que um pedaço de mim foi amputado. Um pedaço físico, de alma, um pedaço do meu passado e do meu futuro. Sequei, como uma árvore que seca e morre. Estive realmente muito perto da morte. Mas, por uma dessas viradas inacreditáveis da vida, surgiu uma pessoa que me resgatou. Ele, com quem acabei casando em apenas 6 meses, me acolheu e me deu o colo que eu precisava para chorar. Foi o amor dele que me fez acreditar que poderia ir em frente. Quando estávamos fazendo planos, soubemos que ele estava com um tumor maligno de fígado e precisaria de um transplante hepático. Juntos, hoje, esperamos o transplante e cumprimos as sessões de quimios. O tumor regrediu 100% e, há cerca de um mês recebi uma notícia inacreditável: estou grávida de gêmeos! Senti, pela primeira vez, que minha irmã voltava, de uma forma diferente, para junto de mim.

Espero que a minha história transmita todos os sentimentos que senti quando vi o filme.

Mariana Vaz faz mestrado em cinema na Cásper Líbero


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