Eu conheci Elena
14 de maio de 2013

Por Bárbara Guimarães – 14 de maio de 2013

Ou não. Na verdade, ela foi amiga da minha irmã mais velha, e por isso frequentou nossa casa durante um período, uns dois anos antes da mudança para Nova Iorque. Só conheci Elena em meu papel de irmã mais nova. A adolescente que as “adultas” de dezoito anos não querem por perto.

Mas Elena não parecia se preocupar com isso de ser adulta, então não me olhava como um ser indesejável. Pelo contrário, muitas vezes vasculhou minha rebeldia punk com seus olhos curiosos. Do mesmo jeito que vasculhava tudo e todos, buscando e bebendo vida.

Imagens de Elena flutuam em minha memória, distantes. Olhos grandes pelo tanto que tentam enxergar; olhos famintos e inconstantes. A testa muito alta, o corpo muito magro. Esguia, esguia. Elena desembestada, com braços que se agitam desordenadamente quando fala entusiasmada sobre alguma coisa. Mãos finas, de dedos longos. Seios como uma instalação insensata, não sei se pela magreza do corpo ou pelo ar de moleque de quem o veste.

Elena feita de fogo, como um Hélios que queima por dentro e brilha por fora. Pessoas gravitando em volta de Elena, sol noturno. Elena sozinha – mas também sozinha como eu adoraria ser naquela época, sem os pais constantemente por perto.

Um dia, trazendo consigo uma Petra criança, feliz e dourada, a mãe de Elena volta para casa. Mãe que me soava a mistério, e cujos movimentos eram elegantes, suaves e precisos. Uma mulher que aparentava ser de um mundo acima do nosso, além do banal e ordinário. Tão bonita… E Elena feliz, querendo ninho. Ou não querendo mais.

Elena que não parava. Que falava alto. Que parecia não ter controle de tudo o que queimava ali dentro. Elena que ria muito e depois emudecia. Elena que tocava nas pessoas. Encostava aquela mão atenta no seu braço, no seu cabelo, sabendo que essa também é uma forma de conhecimento do outro. E logo mudava de rumo, inconstância eterna. Elena que queria mil coisas ao mesmo tempo. E carregava uma carência infinita.

Fragmentos de Elena. Linda, louca, livre. Elena que sonha e que vai buscar seu rumo.

Elena sumida. Elena está vivendo teatro. Elena, dizem, tem muito talento. Elena é amiga de atores e diretores. Elena foi para Nova Iorque.

E de repente Elena que morre, consumida por aquele fogo que lhe exige muito mais do que ela pode aguentar. Elena que vira arte em estado etéreo.

Anos depois, essa Elena dispersa começa lentamente a se reunir e renascer, pelas mãos da irmã. Até que um dia ela enfim respira, se espreguiça, abre seus grandes olhos, volta a ver o mundo. E se levanta, ergue os braços e gira, gira, gira, a bailarina. Brilhando, ela ilumina a casa sombria. Viva, Elena.

Sorrindo, Elena faz uma grande reverência e enfim sai de cena. Gestos agora suaves, calmos. Apaziguados.

Eu conheci Elena. Não… eu não a conheci. Será mesmo que alguém – além do fogo – conheceu Elena?

Bárbara Guimarães é tradutora, cantora e escritora. 



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