ELENA no Diário do Nordeste
30 de maio de 2013

 

Pedro Azevedo Moreira, escreveu para o Caderno 3 do Diário do Nordeste – 29 de maio de 2013

“Elena”: água e uma doença chamada amor

Caminhando sozinha, Petra procura por Elena nas ruas de Nova York. O volume esmagador de lembranças que a cineasta guarda de sua saudosa irmã é equiparável ao número de transeuntes que vêm e vão, infinitos, nas avenidas da megalópole. Estruturado como um recorte poético de memórias, “Elena” (2012) é um documentário atípico na experiência filmográfica brasileira recente; é um filme extremamente pessoal, mas de apelo universal genuíno. Assistir a “Elena” (2012) nunca deixa de ser uma invasão de privacidade. Afinal, o que vemos na tela é constituído em grande parte por imagens de arquivos pessoais resgatados por Petra. Contudo, ao sublimar essas lembranças tão inconsoláveis de sua infância, a cineasta promove uma aproximação com o público pelo potencial de imersão de sua narrativa, se expandindo do particular ao universal.

Em 1990, aos 20 anos, Elena Costa comete suicídio por overdose de medicamentos. A cidade de Nova Iorque consumira seu corpo adoecido, um corpo que não podia viver sem arte, que sem arte preferia morrer, um corpo vazio. É através diálogo imaginário entre Petra e sua irmã apresentado na narração em off da cineasta que entendemos (ou buscamos entender) a natureza conflituosa da protagonista. Onipresente na narrativa, Elena é uma força da natureza, e embora a cineasta tente enquadrar os limites de sua personalidade em termos gerais (“Ela é assim”, afirma Petra categoricamente ao se referir à irmã em certa altura do filme), o âmago de sua existência será sempre um mistério digno da alcunha criada para a divulgação do filme: Quem é Elena? Um mistério sedutor. Tratando-se de um recorte de fragmentos de imagens de família somados ao material expressionista/impressionista filmado por Petra, é curioso perceber que a tradição de documentar dos Costa imprime um enorme potencial cinematográfico nas filmagens de arquivo de Elena, quase como se aqueles momentos resgatados só fizessem sentido quando montados lado a lado.

São raros os exemplos cinematográficos em que a música completa a imagem de maneira tão orgânica. Quando em certo momento começa a tocar “Valsa pra Lua”, de Vitor Araújo, o flerte de Elena com a lua em suas filmagens caseiras e danças apaixonadas ganha uma força descomunal; a música significa a imagem e vice-versa. Se há algo que Petra Costa sabe fazer em seu cinema é criar uma multiplicidade de significantes através das ferramentas de estética.

Como não poderia deixar de ser, “Elena” promove uma aproximação entre as três figuras centrais de sua narrativa: Elena, Petra e sua mãe. O “efeito Elena” atravessa todo o documentário, mas não restringe o potencial discursivo do filme ao reles estudo de caso. Pelo contrário, ao falar de Elena e de sua mãe, a cineasta fala de si mesma, se redescobre e ressignifica as feridas de seu passado. Assim, “Elena” é tanto um filme sobre Elena quanto um filme sobre Petra.

Uma explosão de poesia e lágrimas. O choro, elemento fundamental na linguagem do documentário, se transforma numa via de mão dupla. Uma das catarses mais intensas que pude experimentar em toda a história da minha relação com a sala escura e desde já um dos fortes candidatos a melhor filme do ano. Contagioso, “Elena” deixa seu público adoecido de amor, basta tocá-lo para vê-lo se transformar em água… Ou lágrimas. Por isso, ficamos adoecidos de amor por “Elena”.



<<< voltar para Mídia, Notícias