Elena e/ou Petra
28 de maio de 2013

Otávio Augusto Winck Nunes, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), escreveu para o Sul21 – 28/5/2013

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Seu nome é Elena. De sua irmã, Petra. Petra embarca para Nova Iorque para encontrar sua irmã, Elena. Mesmo sabendo que o encontro não ocorrerá, ela vai. E procura.

É um dos filmes brasileiros mais bonitos e sensíveis dos últimos tempos, Elena, dirigido por sua irmã Petra Costa. Mas, o filme poderia se chamar Petra.

Um documentário simples na forma, mas complexo na temática. Foi feito de imagens caseiras, outras gravadas no estilo “cinegrafista amador”, pela a própria Petra e por sua mãe. De qualquer forma, a técnica e o gênero são o que menos contam nessa história. O que vale mesmo é a procura.

O espectador pressente, no início do filme, que algo ruim encontrará. O tom melancólico, mas poético, das imagens das imagens já antecipa o que está para acontecer. O suicídio de Elena é o fio condutor.

Mesmo que o suicídio de Elena seja o fio condutor, e a contundência do ato mereça destaque, o filme revela outro aspecto muito tocante. O que pode, também, capturar o espectador no filme, é a própria concepção de fratria e a sua importância no laço familiar. Todos que temos irmãos, e mesmo aqueles que não os têm, sabem disso, estranhamos esse familiar-estrangeiro que é o irmão ou a irmã – para lembrar uma expressão freudiana. Tão distante, tão diferente, tão nós mesmos.

Irmão, ou irmã, é uma dessas funções que carregamos na vida sem que haja possibilidade de mudarmos, sem haver possibilidade de retorno. Não se deixa de ser irmão ou irmã de alguém, como não se pode deixar de ser filho ou pai, não importando o que aconteça. A subtração é uma operação que não existe nessa matemática. Podemos somar: mais um, mais dois, nunca subtrair. Mesmo se perdemos um irmão por morte, ou que brigamos para sempre (pelas razões mais justificadas do mundo!) sabemos que a fratria é uma marca que não se apaga.

Petra, em certo sentido, foi traída por Elena. Quando Petra nasceu, Elena a adotou em seus planos e sonhos. Elena transformou Petra em protagonista de seus filmes caseiros; em primeira bailarina de suas coreografias; em cantora de seus shows.

Mas, num determinado momento Elena foi atrás do que eram os “seus” sonhos, ela queria ser atriz, bailarina, cantora. E, foi para São Paulo onde iniciou sua carreira, mas queria mais. Foi para Nova Iorque. Lá, Elena não encontrou o espaço pretendido, o lugar a que almejava. Seu vôo não alcançou correspondência à altura dos seus sonhos. Necessariamente, Elena não precisaria tomar os entraves encontrados como intransponíveis, até onde podemos acompanhar. Mas, tomou.

Sem dúvida, é difícil medir a extensão do estrago causado pela escassez de oportunidades de trabalho e pela falta de reconhecimento, que uma carreira, qualquer que ela seja, pode provocar em alguém. Mas, para Elena, estes foram fatores determinantes para sua desestabilização. Sempre achamos que o suicídio não tem muito sentido. É difícil encontrar alguma justificativa lógica ou ilógica que sustente o ato. Os que ficam sofrem por não encontrar algo que o justifique. E sempre fica faltando um elo, uma peça no quebra-cabeça da vida que seja capaz de ser completado.

Para aproveitar essa metáfora, poderia dizer que a vida é composta por pequenas peças, nem sempre com seus contornos bem definidos e, muitas vezes, é difícil é encontrar o encaixe com as peças vizinhas que dêem a dimensão do “todo” (se é que o encontramos). Por vezes, um ato radical como o suicídio pode inverter essa lógica. Acentua o “todo” em detrimento das pequenas peças que sustentam a vida. Entre outros motivos que podem e estão, sem dúvidas, presentes.

Mas, por mais paradoxal que seja, Elena transmite para Petra não apenas seus sonhos, parece transmitir por meio deles o gosto pela vida, e não seu fracasso. Assim, ao que tudo indica, Petra fez dessa herança, que sua irmã lhe deixou, sua riqueza maior.

Se, como humanos, não aceitamos muito bem a morte, com o suicídio, enfrentamos dificuldades maiores ainda. Nesse caso, uma irmã a quem o amor ultrapassa a admiração – por que mesmo ela fez isso? É a pergunta sem resposta. Não teve as mesmas chances, as mesmas oportunidades, o mesmo amor dos pais, da vida? Sim e não. Mas, talvez, não importe muito. A grande sacada de Petra foi conseguir fazer com a sua herança, uma forma de levar mais adiante a inquietação e a angústia da vida.

O silêncio não é o melhor aliado da morte. Fazer um filme que transforme a ela mesma e a irmã, Elena, em personagens principais, em protagonistas da vida foi uma forma de inscrevê-las como uma das peças do quebra-cabeça. Encontrou um justo e, espero, apaziguante lugar. Ao se transformar em diretora e atriz, Petra, dá consequência às primeiras lembranças que tem de Elena, quando ela mesma era dirigida por sua irmã. Difícil precisar exatamente onde uma encontra a outra, onde uma perde a outra. Talvez, por isso, a procura de Petra por Elena, tenha se transformado na procura por ela mesma. E esse é um pacto que a fratria, pela procura, pode engendrar.

Otávio Augusto Winck Nunes Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA); mestre em Psicologia do Desenvolvimento/UFRGS; mestre em Psicanálise e Psicopatologia, Universidade Paris7.



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