Elena, um resgate pessoal para muitos
29 de maio de 2013

Por Clarissa Macau, Revista Continente – 29/5/2013

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Como num álbum de família somos introduzidos ao mundo de três mulheres. No documentário de Petra Costa mergulhamos na intimidade humana de personagens reais unidas pela morte de Elena, uma jovem com um claro espírito de liberdade de artista, que aos 20 anos, em plenos anos 1980, decide tentar carreira de atriz nos Estados Unidos, bem longe da dificuldades que os aspirantes a cultura enfrentavam no Brasil daquela época. Em meio a desilusões, o peso da auto cobrança da juventude e um problema hereditário de depressão ela decide desaparecer.

Petra Costa, irmã da mártir de si mesma, vai ao reencontro da primogênita percorrendo as ruelas de Nova York e as palavras da própria Elena relatadas em videocassetes, diários e cartas. Imagens de uma câmera caseira gravadas ao longo dos anos pela irmã mais velha ajudam a montar o drama familiar com perfeição. Petra não é a única cineasta aqui. De alguma forma a performática Elena é artista permanente no filme da caçula que soube achar soluções para contar a história de maneira fácil de ser deglutida pela maioria dos espectadores. Elena é definitivamente mais difícil pela carga dramática.

Imagens granuladas se confundem no tempo e são articuladas a interpretações, nunca “encenações”, da própria Petra – também atriz – ora entre uma cidade desfocada, ora numa fusão de personagens: Petra, Elena e a mãe se parecem muito, e em algumas cenas, simbolicamente, tornam-se a mesma face triste de olhos fundos, a mulher na busca de preencher suas vidas de algum sentido, aqui norteadas pela arte. Algumas cenas são mais compostas dando o acabamento poético ao filme, como por exemplo a sequência de pessoas flutuando num rio fotografada numa paleta de cores escuras e frias.

A óbvia escolha da canção sessentista Dedicated to the one I love, do The Mammas and the Pappas, afirma com modéstia o caráter de homenagem da obra, na qual em ritmo de cartas as irmãs se fazem confissões que atravessam décadas. A delicadeza e até um certo clima macabro do roteiro de Petra e Carolina Ziskind é exaltado pelo piano da trilha sonora de Vitor Araújo, Fil Pinheiro, Maggie Clifford e Gustavo Ruiz. Roteiro que as vezes passa a impressão de estar sendo pesaroso em excesso, mas a angústia e companhia são sentimentos difíceis de se desviar nessa proposta de filme. No papel de passar o que sentiu a diretora é feliz. A dor é um dos focos do filme, apesar de não ser seu ponto final e surge como uma afirmação, já conhecida de alguns grandes poetas, de que uma “memória inconsolável” pode ser fonte de inspiração e também de renascimento. Submergindo nas profundezas da trajetória de uma família, essa espécie de filme terapia funciona tanto para a Petra quanto ao cinema.



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