Petra Costa e Lea Glob falam sobre o filme Olmo e A Gaivota
26 de novembro de 2014

Por Anna Jonsson

Tradução Lucas Hackradt

Cena do novo filme de Petra Costa, com codireção de Lea Glob

Cena do novo filme de Petra Costa e Lea Glob

Olmo e A Gaivota é o novo filme da diretora brasileira Petra Costa, em uma codireção com a dinamarquesa Lea Glob. O longa teve sua primeira exibição pública – ainda em uma versão chamada de work in progress – no CPH:DOX, festival que aconteceu em Conpenhage, na Dinamarca, entre os dias 13 e 15 de novembro. No festival, Olmo e A Gaivota ganhou o prêmio de Melhor Filme Nórdico. Já a diretora dinamarquesa Lea Glob foi premiada como o Talento Revelação.

Assista ao trailer do filme:

Durante a exibição no CPH:DOX, Petra e Lea deram uma entrevista para o site do festival. Na conversa, elas contaram como o projeto do filme foi concretizado, deram detalhes sobre a história e a inspiração no romance “Mrs. Dalloway”, da escritora britânica Virginia Woolf, e revelaram como foi o processo de acompanhar a vida de um casal de atores da companhia Théâtre du Soleil, Olivia Corsini e seu companheiro Serge Nicolaï. “No filme, eles estão sempre atuando e, ao mesmo tempo, estão tentando ser eles mesmos – ou pelo menos a imagem que eles querem passar de si.”, disse Petra.

Olmo e A Gaivota tem estreia comercial prevista para o segundo semestre de 2015.

Leia a tradução da entrevista:

Como você sabe quando uma pessoa não está atuando em frente da câmera? E isso realmente importa? Em Olmo e A Gaivota, a câmera está sempre presente, mas, ao mesmo tempo, tudo parece muito real.

Me encontrei com Lea Glob e Petra Costa para falar sobre seu mais novo filme, Olmo e A Gaivota. Nele, conhecemos o casal Olivia e Serge, que compartilham a paixão pela atuação e passam a maior parte de sua vida boêmia nos teatros parisienses. Quando Olivia descobre estar grávida, a alegria em ser mãe mistura-se ao desespero que sente ao se deparar em uma fase de transição entre sua vida de atriz profissional e o encontro consigo, sozinha, dentro de um apartamento com o bebê que carrega.

O casal de atores Olivia Corsini e Serge Nicolaï

O casal de atores Olivia Corsini e Serge Nicolaï

Vocês podem me contar sobre como o projeto começou dois anos atrás e qual foi o processo de desenvolver a ideia para esse filme?

Lea: Nós nos encontramos aqui, no CPH:DOX em 2012, quando fizemos o DOX:LAB juntas. Rapidamente percebemos que tínhamos abordagens diferentes para o mesmo projeto. Eu queria ir para o Brasil fazer um documentário em alguma floresta e a Petra queria ir para a Dinamarca para fazer um filme sobre uma atriz dinamarquesa. (Ambas riem). Tivemos que encontrar o meio termo.

Petra: Eu sugeri o livro “Mrs. Dalloway” como ponto de partida para nosso projeto – usando-o como pano de fundo para a história. A ideia era seguirmos uma mulher durante um dia todo enquanto ela planejasse uma festa para a qual convidou pessoas de seu passado, como seu ex-namorado. Lea teve a ideia de que ela fosse uma pessoa de verdade, e eu sugeri que ela fosse uma atriz, assim a história seria mais fictícia. Eu tinha conhecido Olivia e Serge alguns meses antes no Brasil. Estávamos falando sobre cinema e eles me disseram que queriam muito fazer um filme. Lembrei-me disso quando planejávamos o projeto no DOX:LAB e então perguntamos a Olivia se ela gostaria de participar do projeto. Ela então nos contou que estava grávida, algo que decidimos incorporar ao filme.

Lea: Começamos por pedir a ela que gravasse um diário em áudio daquilo que pensava nesses meses de gravidez, e foi em cima disso que construímos o filme.

Petra: Porque algo bem marcante de Mrs. Dalloway é a forma como entra na consciência humana. Um de nossos mentores no DOX:LAB, Franz Heinrich Rodenkirchen, sugeriu que a déssemos um diário como forma de penetrar na consciência de Olivia.

Lea: Isso foi muito interessante para mim, que venho de uma tradição documental forte. Foi divertido experimentar com o formalismo do livro Mrs. Dalloway e usar uma estrutura pré-existente ao fazer o filme. Foi uma ferramenta excelente, já que é difícil fazer um filme quando você [e sua codiretora] vive[m] em continentes diferentes.

>> Site oficial do filme

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Então Olivia e Serge estavam filmando a si próprios?

Petra: Não, só gravando. Serge filmou uma cena de Olivia, mas nós fizemos o resto. Lea foi lá primeiro e depois eu assumi o trabalho. Acho que o filme ganhou muito com nossa colaboração, pois temos abordagens muito diferentes ao cinema. A Lea é muito boa em passar desapercebida e em filmar a intimidade do casal, o que foi muito importante durante os primeiros meses.

Lea: Foi pouco antes de eu começar a filmar que Olivia teve o acidente no qual começou a sangrar. Depois disso, ela não pôde mais fazer nada – tinha que ficar sentada em casa o dia todo. O material que conseguimos filmar, junto com os diários, foi levado à mesa de edição e só então pudemos ver que partes faltavam na narrativa, e essas partes foram então encenadas.

Petra: Há muitos elementos ficcionais no filme que nós mesmas escrevemos ao ver que faltavam coisas. São elementos reais ou não, muitas vezes inspirados pelo diário e às vezes pela nossa percepção de que algo faltava na história, como um conflito.

A equipe do Olmo e A Gaivota durante o festival CPH:DOX

A equipe do Olmo e A Gaivota durante o festival CPH:DOX

Já que estavam trabalhando com atores, foi difícil discernir os momentos em que eles estavam atuando em frente à câmera?

Lea: Olivia disse-nos algo quando primeiro perguntamos se ela queria fazer o filme: “Eu aceito o desafio de interpretar a mim mesma”. Achei isso muito bonito. Ela estava nessa transição de encenar 12 horas por dia para algo completamente diferente.

Petra: É uma pergunta muito difícil de responder, porque acho que quando uma pessoa está na frente de uma câmera ela está sempre atuando. Então por esse lado você poderia dizer que, no filme, eles estão sempre atuando e, ao mesmo tempo, estão tentando ser eles mesmos – ou pelo menos a imagem que eles querem passar de si.

Lea: Quando estávamos editando o filme, o fato de as cenas serem encenadas ou não deixou de ter relevância. Eram diferentes métodos de se chegar a uma verdadeira autenticidade.

Petra: Acho que as partes mais “verdadeiras” são quando eles falam para a câmera. Aí eles param de atuar. Foi uma decisão difícil para nós incorporar esses momentos ao filme, mas, no fim, fez todo o sentido. Tornou-se, de algum jeito, a essência daquilo que o filme tenta dizer.

O cineasta americano Tim Robbins é produtor executivo do filme

Olivia aceitou o desafio de interpretar a si mesma no filme

Ela estava tão sozinha assim como o filme mostra?

Petra: Sim, ela estava. Algo que eu acho que não é explorado no cinema – e uma das razões pelas quais estávamos tão animadas por incorporar sua gravidez ao filme – é o fato de que a gravidez é uma das experiências mais solitárias. É algo que acontece dentro do seu corpo, e por mais que muitas pessoas queiram envolver-se no processo, ninguém pode verdadeiramente compartilhá-lo com você. Depois de decidir fazer o filme, passei a ler muitos livros sobre diferentes experiências de diferentes mulheres. Muitas vezes diz-se que é um tabu falar sobre como a gravidez é longa e difícil – já que é acima de tudo celebrada como um momento grande na vida de uma mulher. Há até um provérbio africano que diz que a gravidez é a ponte que você deve cruzar sozinha. As pessoas podem te dar as direções para a ponte e encontrá-la do outro lado, mas você a cruza sozinha.

Lea: Eu acho amedrontador, como artista, ter que pensar, em poucos anos, se quero ou não ter uma família quando isso significa, em algum momento, ter que parar de trabalhar. Para Olivia, sendo uma atriz, a situação torna-se ainda mais extrema. O dilema dela no filme é o dilema de muitas outras mulheres – a ideia de se tornar mãe e o tabu de não querer ter um filho. É uma discussão interessante para o cinema.

Petra: E eu acho que é uma discussão que vai se tornar ainda mais presente no cinema e na literatura. Hoje ainda é algo pouco explorado, mas quanto mais mulheres começarem a fazer filme e a escrever, acho que mais essa experiência será contada.



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