Podcast com Petra Costa no Canadá
2 de maio de 2013

Semana passada, no Hot Docs – o festival internacional de documentários canadense – a diretora Petra Costa e a co-produtora do filme, a americana Sara Dosa, foram entrevistadas por uma jornalista local. A conversa, em inglês, foi gravada em áudio e clicando aqui você ouve podcast. Abaixo, segue a transcrição em português (se você quiser ler em inglês, clique aqui).

No próximo dia 5, último dia do Hot Docs, há a terceira exibição de ELENA no festival. Será às 13horas, no ROM Theater.

Jornalista: Podemos falar um pouco, não sei, de como você reage ao assistir ao filme? Como cineasta, como irmã, como sujeito do filme, te agrada? Como ele te afeta? Me pergunto, com as repetidas exibições nos festivais, como é para você ver-se na tela, ou seja, o resultado desses anos de trabalho duro?

Petra: Eu gosto de uma frase que diz que o filme nasce em sua mente e depois – é uma citação de Bresson – morre no papel, depois volta à vida na ilha de edição, depois morre na realização e depois volta à vida nos olhos das pessoas que o vêem, como flores na água. Eu me sinto assim de alguma maneira. Para mim é uma forma de experiência morta ver o filme porque já o vi muitas vezes e de fato tento não ver mais só para poder me emocionar de novo um dia. Mas adoro compartilhar as reações e ver aquilo ressoar em outras pessoas. É como se eu tivesse dado tudo o que eu tinha e agora tenho que me esvaziar.

Jornalista: Então fica a nosso cargo tomar, reagir e interagir. Talvez, Sara, você possa nos falar um pouco de como você se envolveu nesse projeto tão pessoal.

Sara: Claro. Então, eu cheguei bastante tarde ao projeto. Petra e eu tivemos a sorte de compartilhar um quarto enquanto a gente fazia uma pós-graduação em Londres. Ela estava estudando psicologia comunitária e eu estava estudando antropologia cultural, mas nós duas terminamos voltando ao cinema depois. Ela me trouxe à bordo no começo como escritora de projetos e depois, cada vez mais, como produtora. Eu sentia muito a ressonância da história porque tenho uma irmã gêmea e para mim é uma história…. Eu me sinto muito grata porque nunca perdi alguém tão apegado a mim e nunca vivi a tragédia que Petra viveu, mas só de pensar em passar por aquilo, principalmente sendo tão apegada à minha irmã gêmea, era horrível. Para mim é como uma lembrança inconsolável que nunca tive que vivenciar. Então fiquei muito emocionada com sua história, porque éramos muito amigas. Eu me senti muito agradecida por me envolver com a equipe, por poder trabalhar no filme depois e, principalmente, por ver como chegava ao seu florecimento, e em seguida acompanhar esse incrível tour de festivais. E tem sido uma experiência incrível também porque, como eu te falei, nunca tinha perdido alguém, mas existem muitas pessoas que perderam, e ver como ‘Elena’ está sendo recebido nos circuitos de festivais…tem pessoas que perderam alguém, que estão compartilhando suas histórias com Petra e a equipe, e há pessoas que não perderam ninguém, mas que ainda podem imaginar como seria. Então tem sido uma experiência muito emotiva, e por isso sou grata de poder formar parte da equipe.

Jornalista: Então, como mãe, ela gostaria de saber até que ponto o filme é uma espécie de ferramenta de tratamento terapêutico para você e para sua família. Sua mãe também.

Petra: Então, para minha mãe, é difícil saber, mas o que ela falou é que o processo foi de alguma maneira terapêutica; por permitir falar sobre o que aconteceu. Mas ao mesmo tempo, foi extremamente difícil; voltar a Nova York, voltar para nossa casa, e ela foi tão generosa por passar por toda a jornada e por dar tudo o que ela podia e por compartilhar todas as suas lembranças. Aconteceu uma coisa que foi muito linda e pouco esperada. Na estreia do filme no Brasil – que aconteceu num teatro brasileiro com mil pessoas – no final do filme, muitas delas foram abraçar a minha mãe e ela sentiu que finalmente pôde compartilhar o que ela queria compartilhar fazia tempo e não tinha conseguido. Ela se sentiu redimida de alguma maneira. Para mim, eu sinto que de certa forma, os momentos terapêuticos – porque eu já fiz muita terapia – eu sentia que já tinha processado a parte mais difícil desse trauma e dessa perda antes de começar a fazer o filme. De alguma maneira foi isso que me permitiu fazer o filme, o fato de que esses temas já não me perturbavam. Mas claro, uma vez que entrei no assunto, comecei a sonhar constantemente com Elena. E era lindo porque os sonhos realmente se transformaram no caminho. O primeiro sonho que tive, que eu já descrevi, era um sonho sobre a morte e depois tive outros sonhos em que ela estava se machucando. No último sonho, a gente estava dançando. Eles tiveram um caminho de transformação bem interessante. Então…era terapêutico de certa forma.

Jornalista: Então, o que te inspirou a fazer esse filme no começo?

Petra: Então, o começo foi aquele momento quando eu encontrei seus diários e eu sentia que neles tinha algo de muito interessante que eu queria pesquisar a respeito dessa confusão de identidades. Porque para mim, ter 17 anos e encontrar os diários da minha irmã naquele momento quando ela tinha 17, e não ter tido nenhum contato com ela havia 10 anos (porque ela não estava presente), e saber muito pouco sobre ela, só tinha minhas lembranças de infância, e encontrar esses diários que pareciam que continham minhas palavras, mas não que eram minhas, era uma experiência extremamente hipnotizadora. Ao mesmo tempo, eu sentia que existiam poucos filmes, no Brasil nenhum, que falavam desses temas da transição da adolescência à vida adulta de uma perspetiva feminina. Por exemplo, existem muitos filmes que  falam da chegada à vida adulta mas, na maioria das vezes, de uma perspetiva masculina. E eu queria pesquisar isso.

Jornalista: Então, você pode falar um pouco a respeito do material de vídeo que você tinha de sua irmã, e de alguma maneira especular como você poderia imaginar esse filme se você não tivesse tido o benefício desse material encontrado?

Petra: Acho que teria tentado fazer uma ficção. Sim.

Sara: Não teria funcionado tão bem. A sua presença…vocês são parecidas fisicamente, mas também, não sei, as apostas são mais altas nesse caso. Como, por exemplo, o fato de que você é realmente sua irmã e de que você a está retratando em diferentes situações… não, não teria funcionado. Eu te digo agora, essa especulação já era. [Risos]. Mas, conta para a gente um pouco mais a respeito desse material porque tem algumas partes de VHS bem granuladas. Vocês faziam muitos filmes caseiros na sua família? É daí que eles vêm?

Petra: Sim, quando eu decidi fazer….como eu falei, eu nunca tinha visto nada desse material até decidir fazer o filme. Aí, eu fui na garagem, vi todos os VHSs e encontrei esse material maravilhoso que, para mim, era como uma viagem no tempo, como voltar ao passado, aos anos 80; de volta ao tempo do qual eu não tinha lembranças. Então, foi muito, muito emotivo, e sim, o que aconteceu foi que minha família inteira tem uma espécie de tradição de filmar que vem de minha avó e que foi herdada por minha mãe e depois por minha irmã. Ela recebeu essa câmera quando eu nasci e tem muito a ver com a sorte nesse sentido, de ter esse material, poder voltar no tempo e averiguar coisas que, de certa forma, já estavam dentro de mim, mas eu não sabia. Como quando fiz a primeira cena que mencionei. A cena termina com ela girando e depois quando vi o material caseiro, em todo material ela está girando e girando e girando e a primeira coisa que eu fiz foi uma montagem dela girando uma e outra vez com a música.

Jornalista: Bom, muito obrigada. Sei que talvez as pessoas tenham perguntas mais tranquilas, mais tímidas, então não tenham medo de fazer perguntas a essas mulheres maravilhosas fora do cinema. Por favor, não se esqueçam de votar e de contribuir ao ‘crowdfunding’,  se vocês quiserem. Muito obrigada pelo filme. É cativante e belo. Muito obrigada a todos que estão aqui.

Petra: Posso falar mais uma coisa? A gente tem uma página no facebook, elenathefilm.com, e convidamos a todos que quiserem compartilhar suas opiniões, ou suas próprias lembranças inconsoláveis, ou apenas uma foto com um cartaz que diz “Quem é Elena?”, que faz parte de uma campanha que a gente está fazendo. Muito obrigada.

Jornalista: Obrigada

 



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