De Ofélia a Elena
15 de maio de 2013

Por Revista Cult – Edição 179 – 28/6/2013

Em sua estreia no longa-metragem, a diretora Petra Costa diz ter se inspirado em um arquétipo feminino que fala da transição da adolescência para a vida adulta

Formada em artes cênicas pela Universidade de São Paulo, Petra Costa estudou antropologia na Columbia University, de Nova York, onde começou a “trabalhar um pouco com o cinema, por causa da antropologia visual”. Depois, fez mestrado na London School of Economics, “uma mistura de antropologia com psicologia, algo que tem muito a ver com Elena, porque a mi- nha dissertação final foi sobre trauma”. Quando voltou ao Brasil, passou a trabalhar exclusivamente com cinema. Hoje, aos 29 anos, dedica-se ao lançamento de Elena e a um longa-metragem com dois atores da companhia Théâtre du Soleil. O filme é codirigido pela dinamarquesa Lea Glob, fruto de um programa que escolheu dez cineastas não-europeus para fazerem trabalhos em colabora- ção com dez cineastas europeus.

CULT – Quando e por que você julgou que poderia tratar desse material de caráter íntimo em uma obra pública?

Petra Costa – A primeira vez em que pensei em fazer um filme já pensei que queria fazer algo para o público. Aos 17 anos, encontrei o diário da minha irmã pela primeira vez e me identifi- quei profundamente com o que estava escrito ali. Criei uma cena em que misturava trechos do diário dela com trechos do meu. E percebi que tinha um material potente, artisticamente falando. Era um material que eu queria investigar mais, não só pessoalmente, mas artisticamente. Na mesma época, eu assisti a uma montagem de Hamlet e vi na Ofélia um arquétipo que estava presente tanto nela (Elena) como em mim. Esse arquétipo fala da transição da adolescência para a vida adulta. Senti que tinha um dever de fazer um filme sobre isso. Eu via muitas garotas passando por situações parecidas, por crises existenciais, nessa transição. Senti um dever, mesmo, de transformar isso em uma obra que falasse com outras pessoas. Desde o começo, o intuito era esse. Vi algo de universal nesse tema íntimo e tive a vontade de transformá-lo em um trabalho artístico.

Em algum momento você pensou em aproveitar o material (os diários, as experiências) para escrever um longa de ficção?

Sim, sim, sim. Acho que tem esse potencial. Pensei em fazer um longa de ficção, mas, como eu tinha um material de arquivo tão rico, um material de pesquisa, verídico, achei que valia a pena visitá-lo. Mas acho que esse longa de ficção ainda pode ser feito.

Por você?

Acho que não. Pelos próximos 10 anos, eu gostaria de tratar de outros temas. Mas por outra pessoa, sim. Se alguém se interessasse, eu estaria aberta a conversar.

Durante quantos anos você esteve envolvida com Elena?

Naquele momento de descoberta do diário, aos 17, foi plantada a semente. Tive a ideia e imaginei que um dia faria um filme sobre isso. E aí, depois de quase dez anos, tive um sonho muito forte com a Elena. Eu já estava trabalhando com cinema, e acordei com a sensação de que tinha chegado o momento de cumprir o desejo de fazer um filme.

Sua família não se opôs à ideia de tornar público esse drama privado?

Não, não. Foi fácil, na verdade. A minha mãe, desde o começo, me apoiou muito. Ela me ajudou na pesquisa, foi comigo para Nova York, me deu horas e horas de entrevistas. O meu pai teve um pouco mais de dificuldade para falar do assunto, mas logo se abriu. Para ser bem sincera, tive apoio de todos. Algumas pessoas falavam que não valia a pena ficar tanto tempo focada nesse assunto, mas ninguém me censurou de nenhuma forma.

Quais as referências cinematográficas que você usou?

Houve alguns filmes que me inspiraram. Elena é todo narrado, e uma inspiração para isso foram alguns filmes franceses, como os do Chris Marker e os da Agnès Varda, que usam muita narração, e que têm a liberdade de construir uma história a partir da narração. E também tem um filme pessoal que a [atriz francesa] Sandrine Bonnaire fez sobre a própria irmã [Elle s’appelle Sabine]. Eu o vi bem na época em que comecei a fazer o filme, e ele me inspirou a fazer um filme assim pessoal. Mas eu acho também que Elena tem algumas particularidades que eu nunca havia visto e que eu quis levar à frente justamente porque achava que era uma exploração nova, você construir a partir de fatos reais um filme que tem uma estrutura em parte ficcional. Uma narrativa de filme de ficção, mas que é totalmente baseada em fatos reais, e que usa material de arquivo. Foram quase dois anos de edição. Eu ia filmando e editando, filmando e editando. E construí todo o roteiro na ilha de montagem.

Para esse trabalho, você teve alguma colaboração especial?

Claro. No roteiro, foi essencial o trabalho da corroteirista Carolina Ziskind. Ela me ajudou muito a estruturar a narrativa do filme, a me ajudar a encontrar pontos de virada, a escolher quais histórias contar e quais histórias deixar de lado. Foi fundamental. Na montagem, Idê Lacreta [que assina nos créditos a primeira montagem] e Marília Moraes.

Nos créditos, há um agradecimento a Walter Salles.

Sim, Walter assistiu ao primeiro corte, que era o filme quase pronto. Foi essencial o retorno que ele deu na fase de lapidação. Eu tinha trabalhado como assistente de direção de um filme que ele p

roduziu [Transeunte, de Erick Rocha, 2010] e com isso ele tinha visto o meu curta [Olhos de ressaca, 2009], e gostado.

Você ficou surpresa com a reação calorosa do público no Festival de Brasília?

Foi uma surpresa maravilhosa a recepção em Brasília, naquele teatro imenso [os filmes da mostra competitiva foram exibidos no Teatro Nacional]. Até então, a gente sabia que o filme tocava algumas pessoas, mas não que tocaria tanta gente, e não daquela forma. Foi muito bonito o que aconteceu. Por exemplo: uma mulher que fazia a faxina dos banheiros do teatro foi falar com a minha mãe que estava fazendo um mutirão para votar no filme porque tinha sido o preferido dela e dos que trabalhavam lá. Ela foi emociona- da falar com a minha mãe, chorando. Pediu uma cópia do filme. Minha mãe recebeu milhares de abraços nesse dia. Foi algo bem marcante para ela, porque há muito tempo ela queria compartilhar um pouco a experiência dela, mas nunca tinha feito isso, e sentiu naquele dia uma forma de redenção.



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