Do íntimo para o universal

Por Marília TassoPitada de Cinema – 18/12/2013

“Elena” dirigido por Petra Costa é um documentário que ganhou muitos elogios, teve ótima repercussão e foi bem recebido pelo público. A história é narrada por Petra, irmã de Elena, que tenta resgatá-la por meio de arquivos, fitas cassete, vídeos e cartas, ao longo descobrimos a intensa relação que havia entre as duas, mesmo com a grande diferença de idade.

Elena nasce num período complicado: a ditadura militar, e vive muitos anos na clandestinidade com seus pais. Após treze anos nasce Petra, que sempre incentivada por Elena cantava, dançava e atuava. Era nítida a veia artística de Elena, cuja foi herdada de sua mãe que sonhava em ser atriz de cinema. A necessidade de colocar sua arte para fora aconteceu quando seus pais se separaram, começou a estudar e fazer teatro, mas ela desejava mais, e em busca de um grande sonho vai para Nova York. Faz testes, audições e mesmo com todo seu talento para dança, canto e música não tem respostas. Desolada volta para o Brasil. Toda essa arte que o documentário explora e que existe em Elena a deixa melancólica e frustrada. Ela constantemente dizia: “Se não posso fazer arte, prefiro morrer”. Mais tarde Elena volta para lá com sua mãe e irmã, porém nada muda, cada vez mais angustiada por não conseguir realizar seu sonho, se torna dura consigo mesma, e a menina que um dia descobriu que podia fazer a lua dançar, se fechou para o mundo. Ela foi sendo tomada por um imenso vazio, uma tristeza que já não podia carregar e mesmo com sua pouca idade, estava desistindo de tudo.

Tanto a mãe, como a irmã não entendia de fato o que ocorria com ela, e de certa forma depois do suicídio a culpa as tomou completamente. Lembranças as perseguiam, como num dia que Petra estava com uma amiga em sua casa mostrando os cômodos, e quando chegou no quarto de Elena, a menina perguntou o que ela tinha, pois estava toda coberta com os olhos distantes, e Petra respondeu: “Ela é assim”, ou quando a mãe ouviu Elena chorando desesperadamente e não foi lá perguntar nada. Conviver com este tipo de sofrimento é angustiante, e se eu fizesse, e se eu tivesse, e se… É um verdadeiro pesadelo que acaba com a vida de qualquer um.

É necessário expor a dor sentida, se possível compartilhá-la, pois é uma maneira de se libertar e seguir em frente. O que Petra fez com este documentário foi exatamente isso, ela compartilhou a sua dor, e principalmente a transformou. “Elena” é um documentário extremamente lírico e pessoal, mas que conversa com nossas dores e saudades.

Em meio a tantos elogios, há também a visão de que o documentário seja presunçoso e egocêntrico, claro, sempre há diversas maneiras de se enxergar algo, mas é de grande importância que uma obra tão intimista como “Elena” tenha chegado ao grande público. E mesmo que trate de uma pessoa, o interessante é que nos permite pensar em nossos próprios sonhos não realizados, na insatisfação com a vida, a solidão, e o peso que se carrega por isso.

Como não se emocionar na parte em que o laudo de Elena aparece na tela dizendo que seu coração pesava 300 gramas? Nesse momento lembrei da seguinte frase que ela escreveu: “Meu coração está tão triste que eu me sinto no direito de não perambular mais por aí com esse corpo que ocupa espaço e esmaga mais o que eu tenho de tão… tão frágil.”

Vemos anos mais tarde um período drástico na vida de Petra, quando decide qual carreira seguir, ela escolhe estudar teatro, assim como Elena, então passa a tentar entender o motivo de sua escolha e entra numa luta interna tentando se desvencilhar da imagem da irmã, que por vezes se confundia com a dela. A doce cena da dança na água reflete o deixar ir. “As dores viram água, e pouco a pouco viram memória”.

É sem dúvida um filme melancólico, mas completamente libertador. A frase de Petra no final resume tudo: “Você é a minha memória inconsolável, feita de pedra e sombra. E é dela que tudo nasce, e dança.” Elena deixou de ser dor e tristeza para se tornar inspiração.

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