Quebra-cabeça familiar

Por: Fábio Nóvoa – blog Radar Trash – 17/8/2013

Elena Costa era uma jovem aspirante à atriz quando, em 1990, se matou com altas doses de tranquilizantes e álcool. 23 anos depois, sua irmã, a cineasta e atriz Petra Costa decide recontar a vida da irmã para entender (ou tentar) as motivações que teriam levado a bela jovem à tirar a própria vida.

Tentando montar um difícil quebra cabeça familiar, Petra (que tinha sete anos quando Elena faleceu) rememora os pequenos fragmentos pessoais da própria família trazendo para o público toda a dor que acometeu aquela família ante à tragédia pessoal que os atingiu. E as marcas desse sofrimento estão em cada canto de olho, mãos, movimentos das três vidas que mudaram após aquele ano fatídico.

Como documentarista, Costa decide demonstrar a vida (e a morte) através de pequenos fluxos diários que compõem nosso dia a dia. E a melancolia desta caminhada segue sem rostos, sem identidades, a não ser das duas jovens ligadas umbilicalmente e espiritualmente por décadas e uma mãe que traz, no rosto, toda a crueza de uma existência sofrida.O fluxo de corpos sobre as águas é a representação literalmente simbólica desse deslizar da vida. Assim como as gotas na janela do avião, que remetem às lágrimas que resultarão dali em diante.

Elena é uma figura fascinante como personagem de análise documental. Jovem, bonita, talentosa, mas de personalidade bipolar, como demonstra as filmagens recuperadas de sua adolescência. Em uma cena, ela come com um olhar distante, alheia à alegria infantil que a cerca. Em outra, dança de maneira leva descompromissada, um contraste com a cena seguinte, onde aparece encenando séria e duramente a primeira peça de teatro.

Mas, Petra não quer julgar todo aquele processo de degradação sutil que a acometeu. Pelo contrário, seu objetivo é jogar uma luz (de uma lua dançante) sobre a arte que se cria da terrível emergência da morte e de como aquelas duas que saíram do mesmo ventre são apenas uma em personalidade e busca da perfeição cênica. Se Elena não conseguiu isto em vida, Petra o faz, com adoração. E não ganha apenas aplausos, mas muitas lágrimas. E uma vontade imensa de sair dançando pelas ruas frias da cidade grande, que ignora as milhares de Elenas que a percorrem diariamente.

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