Elena é uma poesia líquida

Elena é uma poesia líquida que se derrama sobre a mente e escorre pelos olhos
Por Thiago Rizan – Pêssega d’Oro – 4/6/2013

Elena pode ser visto assim, sozinho, como fiz, ou com algum amigo. Recomendo a segunda opção, porque você vai precisar de alguém para te segurar a hora que sair da sala do cinema com a mente rodopiando mais do que uma das coreografias da protagonista. O documentário, que de tão belo fez eu me questionar mais de uma vez se era mesmo um documentário, com sua estética delicada e cinematográfica, se confunde com um poema. Saí do cinema com essa certeza: Elena não é documentário, não é ficção.

Elena é uma poesia líquida que se derrama sobre a mente e escorre pelos olhos. Dirigido por Petra Costa, o documentário biográfico conta a história da irmã da diretora, Elena, que se suicidou em 1990, em Nova York, quando estudava teatro na Universidade de Columbia e Petra tinha 7 anos.

Não, esse não é o final, pelo contrário, é o começo, o meio E o final. É a razão do longa existir. Elena é a forma como Petra encontrou de vomitar para o mundo a dor de perder a intensa relação que tinha com a irmã mais velha.

Petra Costa volta a Nova York para reconstruir a angústia da irmã e leva o público junto na busca O roteiro, escrito pela diretora em parceria com Carolina Ziskind, é sussurrado por Petra em delicados offs direcionados à irmã falecida, como num desabafo latente, e que costuram a história, enquanto cenas de arquivo dançam na tela e se misturam às falas de expressivos entrevistados, como a mãe (uma jornalista e socióloga que tinha o sonho de ser atriz de cinema) e um amigo de Elena que aparece, para mim, na sequência mais dolorosa do doc.

Elena não é programa para dia de Sol. Conseguem ser ainda mais poéticas do que o roteiro, as imagens oníricas, tanto as construídas pela diretora, como as resgatadas de arquivo pessoal. Estas últimas, inclusive, gravadas pela própria Elena, quando adolescente.

Já determinada a se dedicar à arte, ela filmava cenas caseiras de dança e interpretação com a irmã caçula no “papel” de atriz coadjuvante. Elena com Petra ainda bebê em uma das diversas imagens de arquivos garimpadas pela diretora A sucessão de rodopios das coreografias de dança suga o público para dentro de seus giros e o faz se perder no emaranhado de tecidos e cabelos esvoaçantes.

Esse, talvez, seja o maior feito de Petra: nos fazer mergulhar em suas memórias através do retalho de imagens costuradas com uma trilha sonora delicada como os movimentos da protagonista e que poderia, facilmente, estar em um álbum da Florence Welch. As imagens são desfocadas, com as bordas borradas, assim como as lembranças da vida real.

Ainda que claramente produzida para impressionar, uma das cenas mais poéticas e que faz jus à crítica da Folha de S. Paulo, que classificou o longa como “um dos mais belos (e dolorosos) documentários brasileiros dos últimos tempos”, é a interpretação de Petra para Ofélia, de John Everett Millais. Simplesmente de tirar o fôlego.

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Ofélia, de Millais…image

…E a interpretação de Petra Costa para o quadro em uma das mais belas cenas do documentário É assim que você sairá da sala escura do cinema: sem fôlego e com a mente tão cheia que te fará ter vertigem. Então, não esqueça o amigo. Ele será fundamental para dar vazão a tudo aquilo que a poesia em movimento de Elena provocar.

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