“It hurts my feelings” – Três gerações de mulheres assistem ao documentário Elena

Por Fernanda Rezende e Cibele Moraes, em Inverno Cultural – 29/07/2015

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Petra, essa noite eu sonhei com você.  Sonhei que te encontrava pelas ruas de São João del-Rei. Desde que me deparei com sua história, narrada naquele filme tão íntimo sobre o qual tive que escrever, o turbilhão da memória tem me sufocado de uma maneira indescritível, confesso. Dentro de mim, sensações em cascata, nítidas e embaçadas, perturbam o pensamento, antes firme seguidor da luz dos faróis. Mulher, estudante de jornalismo navegando entre grandes mestres, tinha a meu lado duas outras, cujos destinos latentes sentavam-se na mesma fileira em que víamos as imagens de sua busca pelo que não se podia nominar, mas que se insinuava na palavra “medo”. Eu era você, a que devia narrar; na ponta, era ela a mater dolorosa em quem reverberavam as palavras de sua mãe; entre nós, a que podia ser Elena, porque a primogênita, que colheu em face de lágrimas sua frase-ausência: “It hurts my feelings”. Éramos três mulheres, de diferentes gerações, embebidas nos aquíferos das cenas projetadas em tela.

Ganhei um bloco, vazio, esperando para ser devorado por ideias. Eu tinha que escrever sobre Elena Costa, que cresceu na clandestinidade, que dançava, que era atriz, a irmã de Petra que quis Nova York. Como preencher com palavras a folha em branco para retratar uma vida assim tão potência e tragédia? Fazendo uma crônica de mim, que honrasse a tradição de Gabriel García Márquez, Cecília Meireles, Machado de Assis e Sarah Rodrigues. Que fosse um filme, em papel. Que fosse o melhor registro de minhas memórias.

“Se a vida é tão simples, do que eu tenho medo?” De não ser mais poeta. Necessito ser. Fecho os olhos, mergulho nas águas das palavras, no limo das angústias, no arroio das imagens. Submerjo. Volto à tona. Solto meu corpo no espaço e danço a Valsa para a lua. Me liberto, já não quero parar. Vertigem. Colho no remanso palavras ainda desordenadas, me aproximo de suas águas, pronta para me afogar no excesso de sua intensidade, Elena, e na correnteza de seu pasmo, Petra. “Pouco a pouco as dores viram água, viram memória”, aprendo. Suave é fio d’água que canaliza a delicadeza de tantas lembranças até mim.

É fresco, a memória atávica da gestação, mas é parto: pulsação, nascimento, armadilha, arte, angústia, ribalta, melancolia, morte, cacos. Ressureição em película: Elena torna-se atriz de cinema. A travessia, nosso viver.

Saudações, Elena!

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