Por: Lia R. Bianchini – blog Toda Prosa – 3/8/2013
“Elena” é a história de uma atriz nada conhecida pelo público brasileiro ou internacional, contada e dirigida por uma diretora estreante no cenário cinematográfico. Ainda assim, teve grande repercussão nas mídias através de seu trailer, excepcionalmente bem produzido e montado, que despertou o interesse do público.
Ao unir filmagens antigas e atuais, depoimentos e gravações de voz sob uma narração própria, Petra Costa imprime em seu documentário, sobre sua irmã morta (a personagem título), um tom intimista e confessional, um tanto incomum aos filmes do gênero.
O documentário, explanando a relação de Petra com a irmã, Elena, aborda temas comuns, e muitas vezes negligenciados, do cotidiano de inúmeras famílias, como a depressão, o suicídio e a aceitação da morte.
Elena se muda de Belo Horizonte para Nova Iorque, buscando consolidar seu sonho de ser atriz. A relação de proximidade que mantinha com sua irmã caçula, Petra, é quebrada pela separação. Petra narra, ao longo do documentário, os sentimentos, sensações e idealizações que Elena tinha de Nova Iorque e da nova vida que começava. Da extrema euforia ao estado deteriorante de solidão, tristeza e desilusão que, num dado momento, acarreta em um quadro de depressão crítico.
É falando sobre isso, que entram os depoimentos da mãe de Elena e Petra, que se mostra ainda abalada pela perda da filha, dizendo-se até mesmo culpada por seu suicídio. A impressão que temos, ao ouvir os depoimentos de sua mãe, é que o estado emocional de Elena, por mais que houvesse acompanhamento médico, foi negligenciado, tratado como algo passageiro e fútil.
Aqui entra a discussão a respeito do modo como a depressão é banalizada socialmente. É inegável que a tristeza e a melancolia são os estados da alma humana mais belos, poeticamente. No entanto, ao passo em que enobrecem a arte, dilaceram a pessoa que deles sofre. A depressão, o estágio mais crítico da tristeza, é uma patologia e deve ser tratada como tal. Esperar que a cura apareça repentinamente, mais do que negligente, é ignorante.
Elena sofria de depressão e disso padeceu, suicidou-se. Não foi um caso isolado; não foi a primeira pessoa a fazer isso; não será a última. E cada vítima fatal da depressão faz outras vítimas, indiretas: seus familiares, amigos, pessoas que passam a ter que conviver e lidar com a dor da perda, a realidade da morte, algo também subestimado em nossa sociedade, veneradora da vida, com o ideal de imortalidade tão arraigado.
Morrer ainda está além da nossa capacidade de compreensão. Venera-se a vida, despreza-se a morte. Se cada pessoa soubesse e, mais do que isso, aceitasse realmente que o fim é a única certeza de sua vida, provavelmente a forma de encarar a morte de um familiar ou pessoa próxima seria menos traumática e mais saudável psicologicamente.
Além disso, o confronto com a morte é tido como algo tão desprezível porque, mais do que tudo, esse é um confronto com o próprio ego, uma vez que as pessoas às quais dedicamos especial afeto nada mais são do que a projeção idealizada de nossos próprios desejos. Assim, com a morte, perde-se também o objeto idealizado, parte de seu próprio “eu”. E o que fazer quando uma parte sua é perdida?
Respondendo a essa pergunta, o documentário de Petra Costa, mais do que contar a história de Elena, narra a forma como a diretora lidou com a perda da irmã, com a perda de parte de seu próprio “eu”. Petra, como é mostrado no filme, transforma-se quase em uma extensão de Elena: decide ser atriz, vai morar em Nova Iorque. A história narrada pelo filme é a negação da morte, um dos estágios do luto. Petra apropriou-se, talvez inconscientemente, da forma de viver da irmã, como uma maneira de negar sua morte, perpetuando, através de suas próprias ações, a existência de Elena.
Porém, o ato de fazer um filme sobre isso, relembrando e revisitando tanto seu passado, quanto o de Elena, torna o documentário uma clara transgressão do estágio final de luto: a aceitação. Recontar a história da sua irmã, sob sua perspectiva, demonstra o encerramento, por parte da diretora, de um ciclo iniciado com a morte, a aceitação da perda da parte sua que se foi com a irmã.
Assim, longe de provocar sessenta insights por minuto, como hiperbolizou Fernando Meirelles, o documentário “Elena” firma-se mais como um ritual necessário de passagem para Petra Costa, um virar de página em sua vida, e inaugura um novo subgênero dos documentários: o doc terapia, para ser visto, imprescindivelmente, munido de teorias freudianas (ou jungianas, depende do espectador).
Tratado dessa forma, e não com a superestimação que vinha tendo, “Elena” é poético e genuíno, uma carta de amor narrada e filmada de Petra Costa a sua irmã.
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