O filme ‘Elena’ e a delicadeza

Camilo Vannuchi, na Época São Paulo – 19/10/2012

Eleito o melhor documentário do Festival de Brasília pelo júri popular, primeiro longa de Petra Costa chega à Mostra de São Paulo com três exibições entre sábado e segunda-feira

Ela era linda. Gostava de dançar, fazia teatro em São Paulo e sonhava ser atriz em Hollywood. Tinha 13 anos quando ganhou uma câmera de vídeo – e uma irmã. As duas se tornaram suas companheiras de experimentações. Adolescente, Elena vivia a criar filminhos e se empenhava em dirigir a pequena Petra nas cenas que inventava. Era exigente com a irmã. E acreditava no potencial da menina para satisfazer seus arroubos de diretora precoce. Por cinco anos, integrou algumas das melhores companhias paulistanas de teatro e participou de preleções para filmes e trabalhos na TV. Nunca foi chamada. No início de 1990, Elena tinha 20 anos quando se mudou para Nova York para cursar artes cênicas e batalhar uma chance no mercado americano. Deslocada, ansiosa, frustrada após alguns testes de elenco mal sucedidos, decepcionada com a ausência de reconhecimento e vitimada por uma depressão que se agravava com a falta de perspectivas, Elena se suicidou no segundo semestre. Petra tinha 7 anos. Vinte anos depois, é ela, a irmã caçula, que volta a Nova York para percorrer os últimos passos da irmã, vasculhar seus arquivos e transformar suas memórias em imagem e poesia.

Elena é um filme sobre a irmã que parte e sobre a irmã que fica. É um filme sobre a busca, a perda, a saudade, mas também, sobre o encontro, o legado, a memória. Um filme sobre a Elena de Petra e sobre a Petra de Elena, sobre o que ficou de uma na outra, e, essencialmente, um filme sobre a delicadeza. Na mostra competitiva do Festival de Brasília desse ano, Elena foi destaque entre os documentários inscritos. Arrebatou quatro candangos: os troféus de melhor filme segundo o júri popular, melhor direção, direção de arte e montagem (sempre entre os documentários). Agora, chega a São Paulo com três exibições na Mostra Internacional de Cinema, entre sábado e segunda (dia 20, às 21h, no Cinesesc; dia 21, às 18h20, na Cinemateca; e dia 22, às 16h20, no Espaço Itaú do Shopping Frei Caneca).

Dentre os mais de 350 filmes listados na programação da Mostra deste ano, é compreensível que o foco dos cinéfilos e da imprensa recaia sobre as raridades estrangeiras com pouca chance de entrar no circuito comercial ou sobre as produções recentes de cineastas-fetiche, com seus séquitos de admiradores. Elena perde no quesito holofote, mas entrega, como obra cinematográfica, mais do que têm apresentado alguns dos melhores cineastas brasileiros. E indica uma hipótese de caminho promissor para o futuro do documentário: transpor para as telas histórias pessoais, nas quais o afeto é mais relevante do que a reportagem, e substituir o tom batido das biografias tradicionais por um mosaico envolvente de sons e imagens, forma e conteúdo, pesquisa e delírio.

Primeiro longa-metragem de Petra Costa, também diretora do curta Olhos de Ressaca, o novo Elena é construído com fragmentos antigos, garimpados por Petra nas coisas que ficaram de sua irmã: vídeos caseiros, trechos de um diário registrado por Elena em fitas cassete, fotos envelhecidas após duas décadas de ostracismo. É, também, um filme que exibe, em imagens recentes, o percurso empreendido por Petra para reencontrar Elena: depoimentos de parentes e amigos, a mensagem emocionada e profundamente humana gravada por sua mãe, a visita feita pela equipe de produção à casa e ao pronto socorro onde se dá o desfecho trágico. Terminado o filme, o espectador permanece sem saber como era o desempenho de Elena diante das câmeras até 1990. Agora, sob a direção precisa da irmã mais nova, ela finalmente triunfa na tela. “De uma beleza incomum, o filme fica entranhado em nós por um longo tempo”, escreveu, sobre ele, o cineasta Walter Salles. “Provoca 60 insights por minuto”, disse o também diretor Fernando Meirelles. Deixar-se contagiar pelos insights, entranhar-se com Elena pelo tempo que for necessário, é um presente que o paulistano não deve recusar.

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