por: Vera Leon – Cineblog A Tribuna – 2/7/2013
Tenho sugerido às pessoas que não percam o filme Elena, da diretora Petra Costa, também protagonista e coração pulsante desse belo trabalho. Uma amiga, então, me perguntou se a gente aguenta e não tive dúvida em dizer a ela que, sim, a gente aguenta, especialmente “se a alma não é pequena”. E por acreditar que outros devem estar se fazendo essa pergunta, acho que vale a pena falar um pouco mais (um comentário já foi publicado no Caderno Galeria de A Tribuna, no sábado, dia 29) sobre o premiado filme da diretora mineira, que num primeiro momento pode parecer “assustador”, como se referiu minha amiga.
Não é um filme fácil ou leve, daqueles que permitem levantar logo da poltrona no cinema. É um filme intenso, belo, concebido a partir de uma busca e das memórias que a diretora vai encontrando da irmã. A maneira como ela montou (o longa recebeu prêmio de montagem) toda a história, com imagens concretas e outras trabalhadas com muita sensibilidade, tornam a obra diferenciada, original, envolvente. A voz em off soa como uma longa carta à irmã, cheia de amor, de interrogações… até às imagens finais, quando em um fiapo de voz Petra conclui que Elena é sua memória inconsolável.
Para quem tem na vida uma memória inconsolável, o filme toca profundamente. Não precisa ser a memória de alguém que perdemos pela morte, como no caso de Elena, arrebatada por uma depressão profunda, no esplendor dos 20 anos de idade. Temos memórias inconsoláveis, também, de algo que se perdeu e que sabemos jamais vai se recompor. A vida real está cheia de histórias assim, algumas inconfessas, e outras que, de tão doídas, são colocadas para dormir dentro de nós. Memórias que podem despertar, um dia, mas mesmo que permaneçam quietas nesse altar da saudade sabemos, de algum jeito, que elas nos espreitam. Pelo que se desenrola na tela de Elena, a passagem desta moça pelo mundo deixou, tanto na vida da mãe como na de Petra, a pulsão de uma energia inquieta, a indagação do que poderia ter sido se…
O cinema nos traz histórias assim e a que me vem de pronto é As Pontes de Madison (1995), que Clint Eastwood dirigiu e se colocou na pele de Robert Kincaid, um fotógrafo a serviço da National Geographic. No condado de Madison (EUA), ele bate à porta de uma comportada dona de casa, Francesca Johnson, em busca de informações para cumprir a pauta da revista. Meryl Streep faz a inesquecível Francesca, a mulher que nem os filhos e nem o marido parecem enxergar. Talvez nem ela se enxergue, mas a chegada de Kincaid naqueles dias que parecem de encomenda (o marido e as crianças foram viajar) é como a luz de um farol a chamá-la para o reino de Eros.
A paixão de Francesca e Robert, abortada porque ela simplesmente não consegue deixar a vida que construiu com a família para seguir seu amor de quatro dias, é uma dessas memórias inconsoláveis. A cena de Robert partindo sob uma chuva torrencial do verão de 1965 e Francesca no fio da navalha, se equilibrando entre o estreito limite que a separa do que ela tem de santa e o que ela tem de doida, é uma dessas glórias que só o cinema perpetua. Tão inconsolável é a memória do amor que não se esgota que a história de Francesca vai parar em uma pequena caixa, descoberta pelo casal de filhos logo após a sua morte. Sob o espanto dos dois irmãos, a paixão de Francesca e Robert escapa em busca de paz, finalmente.
Então, respondendo se a gente aguenta, eu digo que sim. Sou da opinião de que algumas obras – livro, cinema, teatro, performances – são imperdíveis. Outras são dispensáveis, não nos transformam, não nos fazem pensar ou sentir. Elena nos faz sentir, nos desacomoda, nos põe no lugar do outro e nos desafia a responder: e agora?
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