Você vai querer conhecer Elena

Por Pedro H. S. Lubschinski – CinePlayers – 13/05/2014
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“Você não ia querer conhecer Elena.”

À época da divulgação de seu lançamento, esse tocante Elena ganhou um vídeo que se tornou viral nas redes sociais e trazia diversos artistas nacionais respondendo à pergunta “quem é Elena?”, nos revelando, em pequenos depoimentos, momentos vividos ao lado da moça que empresta seu nome ao filme. As entrevistas, filmadas diretamente por Petra Costa, cineasta responsável pelo filme, contam com memórias reais daquelas pessoas, tornando a frase que muitos deles dizem em momentos distintos – e que utilizei para ilustrar esse texto -, perfeitamente compreensível, afinal, conhecer Elena, para eles, foi ficar eternamente marcado pela memória daquela jovem e bela mulher, que se suicidou aos vinte anos de idade na mesma Nova York que pensava ser o cenário da realização de seu sonho de ser atriz de cinema.

É partindo para essa mesma Nova York que a diretora e irmã caçula de Elena vai atrás da irmã mais velha, que partiu de sua vida quando ainda tinha sete anos de idade. Não é uma busca física – por mais que a sua caminhada perdida pelas ruas da cidade norte-americana pareça guardar uma fagulha de esperança de esbarrar na irmã -, mas sim, uma jornada pela essência daquela mulher, que é paradoxalmente reconstruída e desconstruída diante do espectador através de depoimentos de Petra, a mãe das moças Li An, cartas enviadas por Elena – e que por vergonha da letra feia, eram “escritas” em forma de áudio, em fitas cassete -, imagens de arquivo pessoal, e claro, através da poesia de som, texto e imagem comandada por Petra e que acabam formando uma obra sobre sua irmã, mas também sobre ela própria no processo.

Recheado de metáforas e simbolismos que dão vazão à sentimentos que vão da dor ao amor, Elena é como já dito, uma poesia, que transforma emoções em arte, a mesma arte sem a qual Elena não imaginava-se vivendo sem. Assim, luto se torna verso. Saudade, rima. Dor e amor, se tornam memórias inconsoláveis, que motivam uma busca que se torna ao final, memória fílmica, recheada de lirismo que transborda sobre cada letra do poema em forma de carta, que emociona e inspira lágrimas ao término da leitura.

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E assim, conhecemos e nos tornamos íntimos dessas três personagens fascinantes – sim, por que também a mãe das moças é desnudada pelo documentário -, que apaixonadas por sua arte, não medem esforços desde os primeiros anos de vida para atingir seus sonhos. E quanto mais conhecemos aquelas pessoas, mais seus sentimentos são assumidos por nós. Assim, se a alegria de Elena ao enviar uma carta relatando seu encontro com Francis Ford Coppola nos contagia com seu entusiasmo, logo a dor de sua voz descrevendo uma depressão cada vez mais profunda, que acabaria por consumi-la completamente a ponto de levá-la à morte, nos arrasa. Da mesma forma, acompanhar o amadurecimento de Petra é simultaneamente lindo e doloroso, como não poderia deixar de ser ao vermos uma garota de sete anos lidando com o medo de ser levada pela mesmo depressão da irmã, ou a sensibilidade com que essa mesma garota lida com a dor da mãe, buscando sempre alegrá-la, mesmo que por um curto período de tempo, ainda mais ao se dar conta que aquela mulher também não ficará ao seu lado eternamente (ao menos fisicamente, já que Elena nunca saiu do lado da família, como prova o filme). E é essa mesma sensibilidade que apenas aumentaria ao longo dos anos, se tornando seu norte cinematográfico e encharcando as imagens de seu filme, tal qual a cena onde a diretora, sua mãe e diversas outras mulheres, todas Elenas, Petras e Lis, flutuam sobre a água, em um momento catártico.

E se em dado momento da projeção um documento surge na tela informando que o coração de Elena pesava, fisicamente, trezentos gramas no momento de sua morte, é difícil não pensar que metaforicamente o coração das três mulheres vão muito além desse número, tendo se tornado paradoxalmente mais leves – ao se livrar de dores que teimavam em não deixar o peito – e mais pesados – com novos sentimento ocupando o lugar dos que saíram – ao fim dessa bela obra.

Tão bela, que alias, contrario os personagens da divulgação do filme e afirmo, você vai querer conhecer Elena. Mas, não só ela. Vai querer conhecer também Petra e Li An. E já adianto: será um prazer.

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