No íntimo de Elena

Por Priscilla KimuraArte de Escrever – 23/10/2013

“Estou dançando com a lua”, disse Elena em uma das cenas mais lindas do documentário que leva seu nome, escrito e dirigido por sua irmã Petra Costa. Com uma sensibilidade de causar arrepios, Petra conta por meio de vídeos caseiros de sua infância a história de sua irmã mais velha, Elena, que morreu de forma trágica aos vinte anos, quando Petra tinha apenas sete anos.

O filme, ganhador de quatro prêmios no Festival de Brasília e exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2012, mostra a reconstrução de uma vida a partir de fragmentos de sonhos e dores que ficaram para trás. Ou não. A verdade é que todo prazer e sofrimento que Petra revelou sentir ao fazer o filme continuam muito vivos mesmo com a partida de Elena, e isso foi fundamental para que ela pudesse chegar mais perto do íntimo da irmã.

De fato, falar sobre a vida pessoal nunca é uma tarefa fácil. Quanto mais expor os sentimentos mais profundos e traumáticos de uma morte incompreendida para o mundo inteiro numa tela de cinema. Só pela coragem, Petra já merece o reconhecimento. Mas muito além do que foi dito, a jovem cineasta coloca de maneira poética e leve todos os sonhos que a irmã tinha, revelando uma Elena apaixonada pela arte. Ao passo que a arte lhe causava tamanha admiração e entrega, também foi responsável por sua depressão e suicídio.

É importante ressaltar o apoio que Elena sempre teve da família em relação a sua escolha de ser atriz. Apesar de não ser uma carreira fácil, sua mãe e irmã mudaram-se para Nova York com a menina para acompanhá-la durante a faculdade de artes cênicas. Porém Elena se tornou cada vez mais triste com tantas respostas negativas nos testes, vivendo uma verdadeira montanha russa de sensações, caracterizada por sua notável bipolaridade de humor.

É muito difícil afirmar quais foram os reais motivos que fizeram com que Elena decidisse morrer, porém fica bem explícito o vazio que a menina sentia no peito quando sua mãe revela algumas de suas palavras, já no auge da depressão: “se não consigo viver de arte, prefiro morrer”.

O grande trunfo do filme é a proximidade e identificação do público com os conflitos internos de Elena, o que se deve muito ao rico material pessoal que Petra possui dos anos que passou ao lado da irmã. Nas filmagens de criança, é possível ver Elena segurando Petra no colo, fazendo brincadeiras carinhosas com a irmã, dançando e cantando no chuveiro.

É possível perceber rapidamente que a família inteira tem uma inclinação para a arte, começando pela mãe das meninas que também sonhou em ser atriz anos antes. Entrando no mérito da mãe, fica claro que a morte de Elena continua engasgada em seu peito, o que não a impede de participar ativamente de todo filme, com depoimentos comoventes e até mesmo com uma reconstituição física da cena da morte da filha.

Nota-se que Petra optou por uma linguagem cinematográfica bem simples ao fazer o documentário, talvez para intensificar o sentido realista da situação. As únicas câmeras utilizadas para a gravação foram um iphone e uma DSRL. Toda narração é feita por Petra, como quem lê uma carta para a irmã, misturando-se com imagens reais de Elena, vídeos caseiros da família, além de depoimentos de sua mãe.

Mesclado a isso, algumas cenas um tanto quanto poéticas de Petra caminhando pelas mesmas ruas de Nova York que Elena caminhou, visitando os mesmos lugares que a irmã costumava ir, conversando com seus amigos próximos, como se procurasse desesperadamente cruzar com Elena em algum ponto que ficou inacabado, como quem busca uma explicação para o que não pode ser compreendido.

Ou talvez fosse apenas uma tentativa de viver a vida que deveria ter sido de Elena se ela não tivesse desistido de vivê-la. Isso fica muito claro logo no inicio do filme, quando Petra narra as palavras de sua mãe: “Nossa mãe sempre me disse que eu podia morar em qualquer lugar do mundo, menos em Nova York. Que eu podia escolher qualquer profissão, menos ser atriz. No dia 4 de setembro de 2003, eu me matriculei no curso de teatro da Columbia University. Queriam que eu te esquecesse, Elena”.

Somado às belas imagens, o filme ainda conta com uma trilha sonora impecável, melancólica, que acompanha o estado de espírito do espectador naquele momento. Por vezes, a trilha se mistura com a voz de Petra ou de Elena.

Na imagem de divulgação do filme, Petra e sua mãe aparecem boiando em um lago turvo, de certo para fazer uma conexão com a personagem Ofélia, de Hamlet, que morreu afogada num rio por desilusão amorosa, dizem alguns. Segundo Petra, essa foi uma das primeiras imagens que pensou para o filme, pois tinha a intenção de abordar não apenas seus sentimentos pessoais, mas o sentimento da perda presentes em todos os seres humanos.

No prontuário médico da autópsia de Elena constava que seu coração pesava 300 gramas. Por mais vazio que Elena pudesse sentir, imagino que seu coração deveria mesmo era pesar toneladas. Pesava tanto que ela não suportou e desistiu. Um grande paradoxo quando comparado com a leveza de Elena dançando com a lua.

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