O valor sentimental e o artístico se confundem em Elena

Por Willian Silveira, crítico de cinema e membro da ACCIRS – Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, publicado no blog Papo de Cinema – 17/5/2013.

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O valor sentimental e o artístico se confundem em Elena. Primeiro longa documental da diretora do premiado curta Olhos de Ressaca (2009), Petra Costa realiza uma obra que encerra uma passagem pessoal e inicia um momento profissional.

O título do filme refere-se à irmã mais velha da diretora. Filha de pai jornalista e mãe socióloga nos anos 60, o nascimento de Elena salvou o casal de militantes políticos de participar da guerrilha do Araguaia. Símbolo de vida antes e depois de vir ao mundo, a jovem viaja a Nova York com o sonho de ser atriz de cinema. Desejo, aliás, que fora da mãe. Longe da família e dos amigos, a vida americana traz uma aridez insuspeitada. O conto só é de fadas quando na televisão.

Escrito por Petra Costa e Carolina Ziskin, o documentário é uma elegia. Em seus cânticos, reconstitui a personalidade de Elena e seu percurso durante o tempo fora do país. Os meses iniciais são de expectativa e dedicação. Os ensaios exaustivos preenchem as semanas. Assim como outras tantas, Elena tem talento. As entrevistas com os estúdios acontecem. A impressão é boa, tudo parece se encaminhar. Mas as respostas não vêm. E chega o tempo da dúvida e da espera. Sozinha, ela não aguenta. Ainda é primavera quando neva em Elena.

A proposta narrativa é simples e, por isso mesmo, arriscada. O modelo permite se resumir facilmente a uma história linear, sem brilho e de interesse particular. Por sorte e talento, a diretora evita as construções tradicionais e consegue fazer com que seu filme desperte interesse e tenha vigor. A narração em off, conduzida com esmero, é uma das grandes virtudes ao dar às palavras ritmo e peso próprios de quem conhece dramaturgia. O sentimentalismo, vício esperado e nunca desejado, sente-se apenas em momentos do último ato. É certo que prejudicou o desfecho, mas de forma alguma afetou o restante da obra, quando é comedido e intensifica-se justificado na medida em que as situações se desdobram.

O farto material de vídeo da família compõe boa parte do documentário. O recurso é peça fundamental para ilustrar a protagonista ausente. A parte restante é composta por filmagens atuais realizadas no microcosmo de Elena em Nova York, como a quadra e o apartamento em que viveu. Despercebida, e nem por isso menos competente, passa a montagem de Marília Moraes e Tina Baz, que costura os pedaços da narrativa, dando fluxo e discurso às imagens.

Fragmentada nas lembranças da diretora, nos olhares da mãe, na mobília da casa e nos objetos pessoais, nasce Elena. E para um público que a desconhece, nasce também Elena com a intensidade de uma atriz a surgir a qualquer momento do fundo do palco, despertada do sono profundo. O renascimento é uma homenagem, mas também a inconsolável prestação de contas da irmã. Vinda e feita da matéria dos sonhos, Elena é a dor e a mágoa – a memória preservada em frames.

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