Por Pablo Villaça do Cinema em Cena – 17/5/2013
Assim como o belíssimo Histórias que Contamos, este Elena é um documentário extremamente pessoal dirigido por uma jovem cineasta em busca de seu passado – ou parte dele. É um mergulho corajoso em memórias dolorosas, perguntas não perguntadas e feridas ainda inflamadas. É, em suma, um choro em forma de filme, mas também um abraço de consolo. Tentando (re)descobrir a irmã, morta quando a diretora tinha apenas sete anos de idade, Petra Costa acaba se encontrando e, em parte, a mãe. No processo, angustia o espectador graças à sua franqueza, que nos permite entrever, melancólicos, a jornada de sua jovem e talentosa realizadora rumo à catarse que exigirá tanta dor para ocorrer.
Trazendo diversas imagens registradas em VHS por Elena durante a década de 80, quando fantasiava em ser atriz de Cinema e nas quais podemos ver o carinho que a garota tinha pela irmã ainda bebê ao carregá-la ou ao dormir com esta em um abraço confortável como o de um grande amor, o filme é um abrir de álbum de recordações, um folhear de lembranças. Vemos Elena pequena, dançando com os modos encantadoramente desajeitados de uma criança, mas também jovem adulta, quando já havia encontrado a graça e a feminilidade de uma dançarina preparada por exaustivos ensaios. Em um instante, ela surge empolgada ao descobrir poder fazer a Lua dançar com os movimentos de sua câmera; em outros, surge concentrada em movimentos rítmicos com uma corda que envolve sugestivamente seu corpo. Através desta colagem de arquivos, Petra Costa ilustra, sem precisar dizer, a dedicação da irmã mais velha à sua arte – o que a levaria a Nova York com o objetivo de desenvolver-se como intérprete.
“Arte para mim é tudo. Sem Arte prefiro morrer”, soluçava Elena, angustiada por não se ver caminhando de fato rumo à sua expressão, mas tornando-se vítima, de fato, de uma depressão traiçoeira e de sua pouca idade, que possivelmente a impediam de enxergar anos adiante. O que certamente não imaginava, porém, é que sua dor pela Arte ganharia representação na Arte da irmã caçula – e quando Petra inclui em seu filme gotas de chuva escorrendo na janela do avião enquanto se aproximam de Nova York, vemos ali as lágrimas de Elena sobre a cidade na qual deixará de existir. Além disso, ao trazer-se caminhando pelas ruas da metrópole em planos com profundidade de campo mínima e permitindo que vejamos apenas suas costas, a cineasta converte-se em um avatar da irmã ou, no mínimo, em uma representação de suas possibilidades precocemente extintas.
Neste aspecto, Elena não é uma investigação apenas sobre a personagem-título, mas também sobre a realizadora: ao narrar os sonhos juvenis de sucesso da mãe, por exemplo, Petra mal parece conter sua admiração, permitindo que ouçamos o sorriso em sua voz. Aliás, não admirar a mãe de Petra e Elena é praticamente impossível: corajosa ao revisitar seus pesadelos reais do passado, a mulher ainda revela um mundo sobre si mesma ao interromper um depoimento doloroso para apontar as lindas cores de uma árvore que se encontra ao lado – permitindo, com isso, que enxerguemos ali as origens da sensibilidade das filhas, criadas para apreciar a beleza. Por outro lado, os rasgos deixados pela partida de Elena são óbvios nos olhos tristes que tanto angustiaram Petra na infância, levando-a a se sentir compelida a alegrar a mãe e a esforçar-se para protegê-la, numa inversão de papéis comovente que, por sua vez, explica a melancolia em seu próprio olhar (ou olhares: o literal e o artístico).
Desta forma, Elena é um filme que revela profundos sentimentos de culpa: ao recordar-se de uma amiga que, ao ver sua irmã mais velha enrolada em tristeza, perguntou o que esta tinha, Petra cita sua jovem versão com uma pontada clara de dor: “Ela é assim”, respondeu apenas e da maneira direta e simples característica das crianças. O subtexto, claro, é de mea culpa: Por que não fiz mais? Por que não falei algo? Por que me conformei à tristeza de Elena? E a resposta óbvia (“Porque você tinha apenas sete anos de idade”) certamente já ocorreu à cineasta, sendo aparentemente – e compreensivelmente – incapaz de consolá-la. Da mesma maneira, a mãe das garotas relembra o choro convulsivo da filha mais velha em dor e se acusa com um “E eu não fui lá” que pode parecer um erro em retrospecto, mas que dificilmente poderia ter sido evitado – o que, novamente, não representa alívio algum, levando-a à tocante afirmação de que Elena tornou-se sua “memória inconsolável”.
É apenas natural, portanto, que o documentário acabe se expandindo para além das memórias sobre Elena e se torne uma investigação psicológica sobre os efeitos de sua morte sobre sua mãe e sua irmã. Assim, quando vemos Petra e a mãe flutuando na água turva ao lado de tantas outras mulheres que escorrem embaraçadas umas às outras, enxergamos ali várias Elenas, Petras e mães em luto, todas entrelaçadas num bloco único de dor e sonhos, mas também esperanças – pois, afinal, a correnteza as leva adiante.
Ao fim, no entanto, o filme nos deixa mesmo com a certeza de que a Elena de Petra foi uma perda irreparável, uma morte provocada por sentir demais.
“O coração pesa 300 gramas”, informou secamente sua autópsia, sem perceber que este era apenas o peso marcado na balança; no peito de Elena, ele pesava toneladas.
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