Elena – Entre o âmago da arte e a ternura de uma busca vã por Emerson Lima

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Quem é Elena?

Parte I – O âmago da arte

O homem procura a eternidade até mesmo no último suspiro. Direciona suas crenças para mundos diferentes, melhores ou piores que o nosso, mas, sempre, diferente. Como se o “aqui” não refletisse, totalmente, as suas necessidades, como se o “agora” não bastasse para aliviar o coração.

O que seria o normal? Chegar ao entendimento do que é arte é tão ambíguo quanto compreender o significado da vida. Há diversos espaços, há diversas oportunidades, há diversas ações e histórias, sempre percorrendo a arte ou acrescentando fragmentos de informações à ela. Um ser vivo é parte de um todo e esse todo é parte de um mistério; Simples como desvendar a morte, incrível como acreditar no impossível.

Eu percorri diversos pensamentos sobre a minha pessoa, me consumi na obrigação de me encontrar, acreditei estar sozinho e quanto mais prestava atenção, mais afundava. Acreditar nos meus limites era quase uma imposição do mundo, superar esse obstáculo e me enxergar como um ousado era um trabalho para uma outra vida, um outro encontro e uma outra causa. Até que repensei a arte como um veículo, como um cavalo levando seu cavalheiro à encontro dele mesmo. Eu, que me apresentava como o senhor ninguém, cuja imagem sempre era transmitida de forma borrada, assumia a posição de criador mas, acima de tudo, admitindo, sem nenhum problema, que só conseguia o ser pois um dia eu fora criatura.

A arte é o encontro, entre todas as criaturas e sentimentos que existem dentro de apenas um ser humano, é o movimento das águas, o vento que balança uma árvore, é a sincronia e aceitação do ciclo, da mudança, do tempo. A arte está em tudo e no mesmo tempo não existe, assim como o fim, é uma criação do próprio homem para dar sentido à coisas inexplicáveis.

Quem é Elena? Uma excelente representação, de um centro do mundo. De uma existência única que, para mim e para você, permanece desconhecida, senão, pela arte, pelo olhar. Nunca conheceremos Elena, conhecemos, após assistir o documentário da Petra Costa, o olhar que a diretora tinha (tem) sobre sua irmã. Quando a arte atinge uma simbiose, uma sincronia, uma visceralidade no que diz respeito a fusão de histórias, interesses, sentimentos, dores e ausências. Petra Costa é sua irmã, Elena. A mãe assume, por vezes, a vida de Petra, outra de Elena. Elena é lembrada e, por isso, continua viva. A intenção e necessidade dessas três protagonistas de uma história orgânica, ultrapassa os limites do cinema e atinge o coração de cada espectador que, por algum motivo, em algum momento, conflitou com a melancolia.

A priori toda arte deveria ser consequência do despimento, rompimento, caos e tenuidade. Transformando assim os seus personagens ou objetivo, seja no cinema, música, escultura, desenho etc, em ruídos. Aquela confusão criada a partir de um não entendimento, aquela sensação provinda de um movimento minucioso, aquela provocação por sentir a harmonia partindo de uma busca sem resposta.

Quem é Elena? Elena é um ruído, uma imagem embaçada que se torna crível tanto pelo seu elo com a arte, como pela desmistificação que sua irmã faz através de uma série de narrações em off, dialogando perfeitamente com as imagens de arquivo, ora sem sentido como um balançar de mãos, ora uma dança, mas gritando nas entrelinhas, constantemente, que apenas a dor da ausência é que faz sentido.

Parte II: ternura de uma busca vã

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A busca vã é a falta de capacidade de se esconder diante a verdade. As pessoas tem dificuldade em aceitar a morte e lidar com o luto quando, na verdade, deveríamos todos ter força para utilizar isso como catarse, transformar o desespero em soluções, eternizar a angústia, de forma a trabalhá-la constantemente.

Infelizmente não temos essa capacidade, a ideia de finitude nos consome, existe um mergulho profundo na obscuridade do tempo. Ele, de repente, em um dia chuvoso, sussurra nos nossos ouvidos que falta-nos pouco para concretizar aquilo que realmente queremos. Mas em nenhum momento podemos deixar de viver de forma mecânica para seguir nossos reais interesses, seja por conta da sociedade, necessidade ou status.

Elena encontrou no tempo uma oportunidade. Queria ser atriz e procurou se especializar aos olhos da sociedade – até porque “ser atriz” é intrínseco a ela – a bebê que dançava de forma desengonçada dá lugar a uma atriz entregue de corpo e alma, do tipo que não se contenta ser apenas uma, mas todas as suas personagens.

Em 1990, quando Elena se suicidou, o governo havia acabado de interromper a produção de cinema no país. Ela era já muito conhecida nos palcos, mas queria cinema e, portanto, procura refúgio em Nova York, quase como um exílio que também pode ser traduzido como uma espera por algo grande. O fracasso, mesmo em meio a empolgação, traz consigo a perigosa tristeza. A arte entra em conflito com a obsessão da incapacidade, o caos e o ruído não dialogam tão perfeitamente como antes e, assim, a linha tênue entre o suicídio e o equilíbrio, tão presente na vida de um artista, é desfeita.

Elena ingere aspirina com cachaça e morre. Suicídio. Quem é Elena? Um ser humano que buscava o que não se encontra, um segredo, um vácuo que jamais poderia ser preenchido. Uma decisão desperdiçada. Em sua autópsia consta a informação de que o seu coração pesa 300 gramas, mas, metaforicamente, o espectador sabe que pesa muito, muito mais do que isso. Afinal, não existe espaço para estatísticas em obras de arte, elas são imensuráveis.

“O vazio, mesmo quando cheio é pesado demais. O vácuo também preenche, também esgota”

Parte III: O documentário

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A diretora, Petra Costa, afirmou em algumas entrevistas que começou a desenvolver o conceito do documentário após se deparar com o diário de sua irmã. Em um devaneio Petra percebeu que tinha a mesma idade de Elena e, por um instante, parecia que o que estava lendo foi escrito por ela própria. A angústia misturada com a empolgação e o vazio, aos poucos, iam se tornando mais identificáveis.

Petra pode se classificar como afortunada, pois encontrou diversos registros – em áudio e vídeo – da irmã na garagem de sua casa. Através dessas imagens o documentário se desenvolve mesclando as perspectivas, Petra e a sua mãe falam sobre Elena com total conhecimento e, no mesmo tempo, desconhecimento.

Em uma verdadeira contemplação, importante ressaltar que em nenhum momento beira o superficial, uma das primeiras narrações de Petra faz jus a expectativa da família sobre a sua pessoa: “você pode ir para qualquer lugar do mundo, menos Nova York e escolher qualquer profissão, menos ser atriz”. Enfim, Petra vai para Nova York estudar teatro, quase como se quisesse desabafar a ânsia da contradição, como se visse em si a oportunidade de uma nova chance da irmã.

O filme pode ser considerado, por insensíveis, como algo muito particular, egocêntrico ou até mesmo egoísta, ledo engano, na minha opinião se trata de uma experiência universal. Fazendo jus ao sentimento de perda, em qualquer âmbito, de desencontro e de aceitação.

O jovem se afunda facilmente na melancolia, está diante a uma série de decisões que mudaram para sempre o seu destino. Esse momento é conhecido como “período potencialmente crítico”, sendo superado facilmente com o respaldo da família, porém, isso dificilmente acontece; Primeiro porque o próprio jovem se isola; Segundo porque a família muitas vezes trata com desdém os problemas de um “adolescente”.

Aliás, o ser humano é assim, trata de forma indiferente ou inferior os problemas pelo qual ele não está passando. O problema é que a tristeza que conhecemos é apenas a nossa, podemos até tentar nos colocar no lugar de alguém mas, no final, sempre chegaremos as nossas próprias ansiedades.

Petra Costa é corajosa em se expor, no mesmo tempo que o seu trabalho é envolto de uma intenção desmedida: alcançar a comunicação com alguém que já se fora. Curioso é certificar que isso se realiza, através da própria arte. O filme é um elo entre mundos.

Elena foi homenageada, foi resgatada para o agora. Trazida com carinho pela irmã e moldada através das imagens e registro. Elena não gostava da própria letra, por isso “escrevia” cartas com a voz, se certificando de compartilhar suas experiências e novidades. Petra, Elena e a mãe são a mesma pessoa; Ligadas pelo conflito, pelo desejo de morrer, pela tristeza. No mesmo tempo que Petra procura sua irmã, se depara com a verdade de que ela mora em todos os lugares, uma chuva se torna o seu choro, o vento se torna um movimento, os pássaros a sua risada.

Petra, hoje, está mais velha que a sua irmã. Mas como escrevi acima, na arte nada se calcula, não existe idade. Existe verdade. A verdade da Elena é que ela se “sente mais a vontade e natural em frente a uma câmera”. A verdade sobre Petra é que sua sensibilidade é monstruosa e apaixonante. A verdade sobre mim: sou mais um, mas, nem por isso, comum.

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