Elena – Como se contasse um segredo
Por: Mari Vieira – blog Além de Economia – 24/5/2013
Elena, filme independente e brasileiro, tem pesado na divulgação pelas mídias sociais. No dia que eu fui ao cinema, havia uma mulher perambulada por aquele reduto da Augusta perguntando às pessoas se elas já tinham visto Elena. A promoção é baseada em frases curtas e emblemáticas de pessoas do meio artístico (ora Walter Salles ou Fernando Meirelles, ora atores globais). Os atores e diretores citados são conhecidos notadamente por fazerem ficção, o que colabora para o não distanciamento com o gênero do filme – documentário – muitas vezes repugnado pela ideia de um estilo já formatado.
Petra Costa não inventou um gênero sensível e intimista de documentário, como facilmente se encontra nas críticas feitas sobre o filme. Tal gênero tem nome e catalogação (performático) e sugere a forma como o pós-modernismo vai se instalando no documentário. Parte-se do subjetivo, do eu introspectivo e sua vivência no mundo, a fim de criar um universo fílmico que dialogue com o mundo. O eu subjetivo a fim de criar narrativas, parte da busca.
Petra busca sua irmã, Elena, que se suicidara quando essa tinha sete anos. Uma memória tão fragmentada de criança é recriada a partir da pesquisa em vídeos de fita cassete deixados por Elena ou pela família, entrevistas com os pais, os amigos dela, memórias soltas. O filme é sobre essa pesquisa. Mas o que Petra nos apresenta é uma narrativa pronta diante de tudo que fora pesquisado e montado; mas já digerido e regurgitado para as salas de cinema sob sua voz over que sussurra como se contasse um segredo. Um segredo que quer chegar aos corações do público mais abrangente possível – mesmo um público restrito dos cinemas de filme de arte.
“Chegar aos corações.” Tal pieguice não é uma hipérbole, diante do sentimentalismo que contaminam as imagens e as palavras que compõe o filme. Tudo vira poesia: desfoque nas ruas de Nova York, luzes trêmulas, pedaços de rostos, planos hiper próximos dos poucos entrevistados. E as saudosas imagens de fita cassete, talvez tão potentes por relembrarem os vídeos de família da geração sem câmeras digitais – a geração mais consumidora de cinema atualmente.
Mas também existe alguma potência desestabilizadora pela própria mise en scene dos vídeos. Elena abraça Petra, apenas um bebê, cristalizando um amor pungente, que justifica tal saudade doída. Elena roda diante da câmera de vídeo, e faz crer aos olhos do espectador sua entrega zonza à vontade de ser atriz. E os próprios vídeos em forma de carta que Elena fazia quando estava sozinha em Nova York, um material absurdamente rico para um filme de memória.
O que temos em Elena é um filme romantizado sobre alguém que aqui já não está para reivindicar sua imagem. Petra tenta criar uma linha tênue entre as três mulheres – a mãe, a filha mais velha e a própria – da qual fala seu filme, a partir da entrega despudorada de Elena. Em um momento louvável da montagem no início do filme, não sabemos se estamos ouvindo sobre Elena, ou sobre a mãe delas. As três se encontram num ponto de intersecção criado pela narrativa: a vontade de ser atriz e/ou a vontade de morte – o desenho trágico da mãe, o pôster escolhido por Elena para assistir ao seu suicídio, o alívio da mãe quando Petra faz 21 anos, o rosto no espelho que a própria não reconhece.
Se houvesse como fazer uma leitura geracional a partir do pressuposto que as três mulheres passaram pelo mesmo processo em suas juventudes, encontraríamos na mãe o desvio dessa subjetividade afogada para a guerrilha contra a ditadura militar e a formação da família, em Elena a entrega absoluta em tempos economicamente sombrios (ela se suicida em 1 de dezembro de 1990) e no desgosto à valores tradicionais, como família ou carreirismo. Para Petra restam as rebarbas de um passado histórico e emocional indissociável à sua pessoa, traduzidos em forma de um filme de provável baixo orçamento. Mas esta é uma das possíveis leituras que o distanciamento com o filme permite, já que viver o filme torna-se uma questão de comprar ou não sua torrente de sentimentos.
A montagem do meio para o fim do filme decai notadamente, e parece que a frase divulgada por Fernando Meirelles “este filme provoca 60 insights por minuto” torna-se regra. Na ânsia de buscar insights cada vez mais catárticos, o filme parece que vai se findar a todo momento. Mas não me recordo de seu final. A catarse criada pelas minhas próprias memórias suscitadas pelo filme perde-se em algo meio banal – uma redenção, uma desculpa. O que não me sai da cabeça, no entanto, é que Petra Costa, com um filme seu, realiza um sonho de sua irmã. Elena finalmente é atriz de cinema.
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