por: Julio Cruz – O Disparador Cinema & Dilema – 5/6/2013
Acredito que uma subjetividade tão sublime quanto Elena só pode ser tratada em crítica com uma tentativa de subjetividade que tenta ser, mas obviamente não conseguirá, tão tradutora de uma afronta tão grande às dores pessoais de quem escreve o texto. Uma vez me foi dito por algum professor, do qual não me recordo, uma tentativa de funcionalizar a arte que singelamente sintetiza em partes o que sinto ao vagar pelas ruas vazias e gélidas, iluminadas por postes laranjas e uma lua cheia de inverno, de um domingo a noite em Belo Horizonte após assistir o filme pela primeira vez. Pra ele, traduzindo e colocando algo próprio pela pouca memória que tenho, a arte se encontra numa poética de rimar a dor própria com a dor do outro, e de fazer surgir desse sincretismo uma experiência do artista que renasce e se ressignifica no outro. É uma consonância em que Elena (a personagem) se torna cada espectador e uma pessoa em especial que tenha marcado a vida de cada um. E dessa forma, Petra, diretora do filme, se torna um amalgama do misto da vivência própria e da dor da perda, em que ela se torna um reflexo. Mas ao invés de se tornar um reflexo objetivo de um espelho, ela se torna um reflexo turvo, que se modifica a cada investida externa, como a imagem refletida em um lago.
Acho interessante discorrer de forma mais subjetiva e menos crítica, talvez, sobre o emaranhado de coincidências e processos mentais que influenciaram na minha leitura, de maneira pessoal, sobre o filme, pra depois chegar na parte mais institucional, se é que Elena pede essa institucionalização. Depressivo crônico, talvez, o dia de hoje foi marcado por um processo de uma crise depressiva um dia atrás que me acordou às 5h30 da manhã após ter passado um dia entre a reclusão e as abstrações de uma piscina que existe em casa. Da piscina tem-se uma visão maravilhosa de toda uma parte de Belo Horizonte que nessas horas de aflição se tornou uma experiência de pura catarse e poética. Também, ontem, foi a primeira vez que cheguei a tocar a água da piscina de uma forma mais íntima, que tirei os tênis e me fiz sentir a água com a planta dos pés. Foi um dia onde me peguei a observar e tentar compreender a extensão do meu corpo, para dar conta de onde poderia vir todo esse desequilíbrio emocional e tentar, por intermédio de uma dança pessoal, expressar algo que meu corpo tentava pedir e eu não sabia por onde começar. Então, após uma meditação, algo tentado e mal executado pela primeira vez, toquei a água da piscina e comecei a refletir sobre o efeito que eu causava nela e ela causava em mim. Vi as ondas que meus toques causavam, as correntes que se formavam, e as gotículas que permaneciam na minha pele e como uma parte daquela água, mesmo que mínima, nunca retornaria ao estado que se encontrava antes de meu toque na água. Pensei em como aquilo poderia dizer algo sobre mim, sobre tudo aquilo que já vivi, pessoas com quem conversei, com quem briguei, xinguei, amei, acariciei, abracei, senti, enfim, por tudo aquilo que me tirou daquele estado em que me encontrava para um estado novo, do qual nunca mais retornarei. Foi um encontro após uma busca de uma forma de equilíbrio que nunca havia tentado recorrer antes. Depois disso, desci, tomei um remédio de dor de cabeça, terminei uma demanda e fui para a cama ver filmes, a procura de outro equilíbrio, dormindo sem querer aos 30 minutos do primeiro filme e acordando às 5h30 da manhã do dia seguinte.
Essa crise emocional sem motivo só foram levadas a um entendimento próprio ao encarar e “dançar” com a lua cheia, enquanto o engasgo de Elena ainda permanecia. Era eu encontrando minha própria Elena, e encontrando minha parcela de Petra, enquanto artista. Artista, nesse caso, não só na parcela de cineasta (que almejo ser, mas ainda não sou) mas também na parcela que cada humano parece ter, de querer adotar uma expressividade própria, de conseguir colocar pra fora o que sente em seu íntimo, por intermédio das mais variadas manifestações que alguém pode pensar. E é esse engasgo com minha própria Elena, que nesse caso se manifestam em anos de um sentimento de abandono que refletem até hoje, e alguns abusos que criaram diversas ondas de choque nessa piscina da alma, ambos na relação com meu pai, que se encontra essa crise.
Após toda essa meia página de descrição, demarco que Elena me fez refletir, e acredito que essa seja a posição do espectador e a vida que o filme toma a cada exibição, sobre essa posição minha enquanto humano, com minhas angustias pessoais, traumas e dores de coisas que tiraram minha superfície, tomaram parte de mim, e me deixaram com outras coisas no lugar, outras substancias. Elena é a água, ao mesmo tempo em que é as gotas de água que caem numa piscina.
Petra Costa, por intermédio de uma dor própria, se debruça sobre esse seu lago interior a busca de uma identidade, onde traça o paralelo entre sua história, a história de sua família e a história de sua irmã. Ao confrontar algo pessoal, algo íntimo e abri-lo para o espectador, ela faz algo impensável com um fato indizível dentro da dinâmica familiar, que anos antes, durante a infância, havia criado barreiras. Ela retrata o suicídio da irmã, fazendo um ensaio sobre sua própria identidade e seu papel enquanto artista, e o que sua arte pode trazer para si, alcançando assim a universalidade.
Algum tempo atrás, havia trazido dois filmes em dois textos diferentes, assistidos em Tiradentes na cobertura do festival desse ano, em que tive a oportunidade de assistir aos filmes de André Novais e Pablo Lobato, Pouco mais de um Mês e Ventos de Valls respectivamente. Em seus pontos temáticos, um vai de encontro ao relacionamento recente com o cinema e com a namorada, enquanto o outro remonta o histórico de uma família em que Pablo havia entrado ao se casar. Seus pontos de contato, mesmo com feituras e formalidades totalmente adversas, tocam numa esfera intimista para levar a comunicação dos filmes à uma universalidade, que toca o espectador. Elena pode-se considerar uma evolução nesse tocante (usando evolução por falta de uma expressão melhor, já que o valor dos filmes não podem ser comparados pelas propostas totalmente alheias). Pelos rostos chorosos, o silêncio dos espectadores na sala de cinema, os rostos atônitos no debate ocorrido com a diretora no Teatro Oi Futuro, e todo o reboliço que o filme me causa, a universalidade de identificações é atingida. Cada humano, mesmo que não seja artista dentro do conceito de arte aquém do apresentado linhas acima, é uma Petra, é uma Elena, e é uma junção das duas. Cada humano é uma piscina que se choca contra o mundo e os outros seres criando essas ondas de choques e modificando uns aos outros a cada interação.
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