Em busca do próprio corpo

Eliane Brum - blog da revista Época - 6/5/2013

Um filme muito lírico

Rubens Ewald Filho - Portal Pepper – 29/5/2013

O ato extremo

Michel Laub - Folha de São Paulo – 10/5/2013

Elena e eu

Por João Pedro Pacheco Chaves, no blog Visões de Cá – 18/10/2013


Lá se vai mais de um ano desde a minha última vinda até aqui. E venho chamado por um despertar ao assistir a Elena (2013) – graças a um presente da revista piauí. A película é dirigida por Petra Costa, que conta, com sua própria voz (a mim com dor, emoção e saudade), sua própria história – guiada pela vida de sua irmã, que suicida-se aos vinte.

Um história trágica, de uma alma sensível que, embebida em sonhos e arte, se choca com o mundo: cru, tenso e, sobretudo, humano. Adicionado de desilusões e da solidão, o choque de tudo isso com a sensibilidade é doloroso e fere, machuca e deixa marcas.

A obra caminha a partir de registros audiovisuais da família, que nos remetem ao nascimento de Petra e ao seu embalar nos braços de Elena. Surgem as primeiras danças, as primeiras desilusões e o florescimento da atriz, da artista. Chama atenção o registro impactante de uma atuação visceral de Elena no teatro. A artista ruma ao norte, em busca da carreira no cinema e no teatro. Sofre com a solidão, retorna à casa e volta novamente (acompanhada da mãe e de Petra) aos Estados Unidos. Mais uma vez um registro profundamente carregado de emoção quando vemos uma entrevista de Elena numa seleção – os olhos que misturam esperança e lamento e solidão. Talvez aquele olhar  corporifique, em definitivo, a angústia anunciada (e sentida por antecipação) ao saber do filme e do que irá contar.

A mim sempre foi muito duro pensar sobre o suicídio, por mais distante que estivesse de mim aquele que chegou a esse fim. Mas mais ainda quando se trata de uma vida breve – estranhamente, me vem aos olhos todos os anos por vir, toda a história que nunca será escrita. O filme nos prende rente a ele à medida em que surgem Petra e sua mãe, num relato-reflexão-memória dos dias que culminam na trágica partida de Elena. De todo vazio e de toda a dor, talvez num tom egoístico, me remeti a mim mesmo. Marcavam-me, na tela, as imagens do apartamento em que moravam, do hospital, do olhar ao longe da mãe, da narração (quase) embarga de Petra, do laudo, da perda. A dor da menina Petra, a vontade de morrer, a tendência depressiva, o entender da morte e o medo de que ela leve quem nos guarda.

Depois flashes de mim. Era como se hoje eu fosse Petra, revivendo a mim mesmo, imerso no passado, nos tempos em que fui Elena. Não que isso se trate de um comparação de dores e sofrimentos – seria injusto, desonesto, falso – é apenas, talvez, um impulso egoísta. Mas ir a mim mesmo, contar-me e refletir sobre um vazio enorme, oriundo da busca descontrolada de preenchimento e prazer. Mas mais que isso, me remeteu à minha própria vivência de momentos depressivos, de momentos em que imaginava o que seria dos outros se aplacasse a minha dor com a ausência, de momentos em que pensei em como partir. Se escreveria, se ia sem deixar recado. Se de fato aquilo não teria um fim ou, talvez, se tudo aquilo poderia ser reparado. Em um dado momento escrevi o mais intenso, real e triste de meus poucos textos: O salto. A dependência, a solidão, as desilusões, os sonhos em branco e preto, a ilusão das pessoas para comigo, o fingimento, a dor.

A película nos leva aos extremos do sofrimento pela perda, pela culpa e pela saudade. Prossegue denso e poético por um processo de autoconhecimento, até que o sofrimento vira água, onde se afunda e se emerge. Após vagar, passar e repassar, a dor vira memória, a compreensão guarda apenas saudade. Com muita sensibilidade e poesia, Petra abandona a narração e agora (apenas) atua, dança pra lua – como o fez/faz a irmã.

Como repiso à exaustão, não entendo absolutamente nada do cinema. Apenas sinto, ainda que de forma equivocada. Após a audiência, resta a digestão quase corpórea das imagens, dos sons, da trama. Apenas a sinceridade para com a história e o sentir verdadeiro fazem com que uma saga de dor e tristeza possa ser contada com tanta poesia e sensibilidade, justamente no longa de estreia da diretora. Sinto-me profundamente feliz por testemunhar esta belíssima história. E sinto-me profundamente agradecido por, além disso, a obra ter-me proporcionado olhar para traz e sentir a esperança de um dia dançar pra lua.

Jorro de memórias e de imagens

Por Vlademir Lazo, no Cine Players – 16/10/2013

Estar diante de ELENA (idem, 2012), título da diretora Petra Costa que arrancou elogios e teve uma boa repercussão no seu lançamento, é como se deparar (risco assumido desde o começo) com a larga contingência de uma literatura confessional muito existente no Brasil. Aquela em que o autor discorre tendo como centro o próprio universo, confinado numa confidência que é só sua, partilhando fatos e memórias com que não nos identificamos em momento algum, sem estofo para algo maior que faça com que sintamos que o que distinguimos ali possa nos enriquecer com uma experiência transformadora, confiando que o trabalho de nos sensibilizar seja o suficiente para valer o tempo que nos dediquemos a ele, terminando por se revelar como sentimental e complacente.

A enxurrada dessa prática em livro encontra equivalente audiovisual recente no docudrama de Petra Costa, e embora bem intencionada (são injustas certas acusações de o filme transformar o luto em marketing), fica a meio caminho no quesito cinematográfico, e no caso de num futuro próximo vir a ser tomado como referência, ocorreria o perigo de gerar outros tantos trabalhos numa linha que não apresenta potencial para acrescentar a nossa cinematografia. Mas fiquemos com o filme, sem especular sobre uma hipotética influência e novos rebentos que ele possa vir a originar.

É como folhear as páginas de um álbum de família durante 80 minutos. Infelizmente, mais portfólio que cinema. O filme se vale de muito material de arquivo, diários gravados, filmes caseiros, para servir de ilustração de uma carta filmada da diretora a sua irmã, Elena, treze anos mais velha, um texto em voice over que o transforma numa obra narrada em segunda pessoa (“Você me mostra a coleção inteira de filmes da Shirley Temple e me treina para ser atriz”, para citar um exemplo da narração, quando a cineasta relembra parte da infância com a irmã).

O filme recua até os anos sessenta, com imagens da época, na tentativa de nos localizar num momento específico da história do Brasil, muito forte na memória coletiva, o da luta política contra a ditadura, com os pais de Elena sendo salvos da guerrilha por a mãe carregar no ventre a personagem-título. A irmã narradora e diretora conta depois ter nascido durante a Abertura, e em 1990, ano em que Collor subiu ao poder, Elena vai em auto-exílio voluntário estudar arte dramática em Nova York, terminando por dar cabo da própria vida, em virtude da descrença consigo própria. O melhor do documentário são essas conexões com a própria História do país num período de duas décadas entre regime militar e redemocratização, marcado por uma profunda desilusão.

Só que existe desde o principio um excesso de doçura, de afeto fácil para fazer com que o público se sinta envolvido, imerso diante da costura de suas imagens ao som da entristecida voz em off e da trilha que a acompanha na mesma toada pela procura de beleza e de dor. Puramente um trabalho de instalação, o filme funciona no sentido de não nos cansar, de nos instalar num fluxo de imagens sempre fugidias (com o pretexto de que assim é a representação da memória), de cores e luzes saturadas e com variações de foco, e para muitos isso basta.

Mas o que há é o vácuo ao redor de sua estrutura, com o cálculo demasiado de uma poesia forçada buscando preencher suas arestas, ao invés dela brotar naturalmente, quando menos esperamos, que é quando acontece a verdadeira poesia. Um excesso do belo e uma escassez de justeza e de exatidão, apostando no difuso como criação do halo de sua atmosfera. Elena pode resultar para muitos em um filme simpático e até envolvente, mas como diversos dos filmes brasileiros contemporâneos, nos deixa com a impressão de que nitidamente o cinema sai perdendo.

Testemunha social

Por Rogério  Vilarong – 11/10/2013

Uma busca para descobrir mais sobre sua irmã que faleceu há anos atrás e conhecer mais sobre ela acaba demonstrando que tudo se encontra presente em quem está procurando. Assim é ELENA de Petra Costa.

A narrativa nos faz mergulhar nesse mar infinito e sem explicação que é o sentimento por alguém que se foi, mas que segue vivo dentro e fora de quem é deixado. Na fita, Petra estimula os sentidos e aguça os sentimentos do espectador. Não há o mais duro que permaneça sem deixar fugir gotas de lágrimas que nos remete a família, a nossos valores mais profundos. “Elena” é o percurso que Petra nos leva graças a junção do seu diário e o de Elena, sua irmã mais velha que se suicidou em Nova York. Este suicídio que se dá por conta de depressão e solidão é passado para o espectador de forma poética, como se dá todo o filme, e é isso que nos transparece mais fortemente. Elena não fala de tristeza, de solidão, de depressão nem de nenhum sentimento angustiante. Elena fala de amor, de superação, de busca e auto descoberta.Com voz em off Petra narra toda a história. A voz se dá em tom suave aliado com uma trilha que ressalta essa doce voz. A soma de tudo é um misto de sensações. Elena atua também como uma reflexão da busca de todos nós sobre nós mesmos. Petra por vezes confunde sua identidade com a de Elena, assim como nos confundimos com identidades que passam por nossas vidas e seguem seus caminhos. Elena então é a essência de uma vida que, misturada com o cinema, se transforma numa narrativa explícita de uma busca pelo que se encontra dentro da “testemunha social” Petra Costa.

Elena assume o papel de diário, um outro diário de Petra e nos mostra a transformação da dor em alegria, vitória, do vazio pela grande essência que se conquista com a alegria, da fraqueza a dança, ao teatro, ao cinema, seja como atriz ou como uma grande cineasta que abre não só o diário, mas o seu coração com toda a sensibilidade e nos conta essa bela e alegre história de começo e recomeço de duas vidas que se equilibram em uma.

Águas de Elena

Por  Fernanda Atayde – blog Cidadão Abstrato – 9/10/2013

Elena, a dançarina da lua, a apaixonada pela arte e atuação, poderia definir ela apenas nessas palavras, mas não mostraria a profundidade de Elena, pois Elena pode ser cada um de nós, em nossos sonhos de criança, buscando ser o artista de cinema de Hollywod.

Quem nunca teve esse sonho tão intenso de ser um ator de cinema e viver desse glamour? Alguns tem esse sonho enquanto crianças, outros tem essa paixão quando são adolescentes ou adultos, mas a verdade é que todos um dia buscam esse estrelato, mesmo que busque apenas em seus sonhos….

Elena, irmã de Petra Costa, a diretora e roteirista do filme nos mostrou a paixão de Elena, que desde os 4 anos teve essa paixão pela atuação a levou a muitos lugares e a muitas dores, essa paixão a levou para a luta intensa desse sonho.

Uma paixão tão profunda que a fez conhecer o melhor e o pior desse sonho, uma paixão que a levou a sentir intensamente a arte na lua, como os outros pintores e desenhistas do passado.

Minhas palavras talvez não possam verdadeiramente te mostrar quem ela é, pois só quem a conhece sabe como descrever e ainda que possa conhecer, ainda falta palavras para dizer.

Sua arte é sua água e sua água inundou a sua família, transbordou para todos e Petra ,a irmã de Elena foi seduzida por essa arte e neste documentário ela mostra o quanto foi levada a esse amor pela arte.Sua água inundou seus amigos, inundou sua mãe e todos começaram a ter um vislumbre de que esse sonho de Hollywod é possível.
Perdoe minha citação constante desse nome, mas a verdade é que depois que assiste esse documentário, esse nome soa com mais sensibilidade e amor.

Procure em sua cidade assistir esse incrível documentário, pois é difícil descrever Elena, alguns atores tentaram fazer essa descrição e até mesmo para eles as palavras somem em meio aos devaneios sobre Elena.

A irmã que nunca tivemos

Por Cibele Chacon, no blog Às Moscas – 1/10/2013


“Elena, sonhei com você essa noite.” Palavras de Petra Costa ao mergulhar em suas memórias, desvendando a si mesma através da busca pelos caminhos da irmã, Elena. Em um documentário extremamente pessoal, a cineasta nos guia por meio de sua voz em uma trilha estreita de lembranças dolorosas e perguntas deixadas na gaveta que são, agora, inevitáveis para compor um retrato delicado sobre perda, saudade e (re)descobrimento.

Elena tinha 15 anos quando os pais se separaram e, talvez, isso tenha a afetado profundamente, não se sabe, já que ela simplesmente se afasta – conscientemente ou não – para se preservar. Decide se mudar de país e viver como sempre quis, atuando. No meio da busca desse sonho, Elena não consegue mais sustentar a constante alegria, mostrando um vazio imensurável. Esse sentimento a tornou incapaz de fazer arte, e não conseguindo fazê-la, preferia a morte.

Petra tinha apenas sete anos de idade quando Elena morreu, mas sempre teve o desejo do reencontro aparentemente impossível com a irmã, reaproximando-se dela ao refazer seus passos em Nova York e ao fazer escolhas semelhantes na vida. Mostrando essa trajetória, a irmã e diretora não constrói um filme apenas para si e consegue expandi-lo para além das recordações, universalizando os sentimentos de quando o espaço ocupado por alguém começa a se tornar vazio. De quando a presença se torna ausência e o que resta é escavar as lembranças.

Quando a vida é interrompida de maneira voluntária, é mais do que natural a pergunta de quem ficou para quem se foi, mesmo que a resposta impossível. E o caminho percorrido pela cineasta para que possamos conhecer quem foi – e ainda é – Elena traz inúmeras imagens registradas em VHS pela família, desde quando Petra era uma menininha até quando se deparou com o significado da morte e precisou carregá-lo consigo. Nesse misto de arquivos guardados e de imagens atuais, a jovem diretora demonstra imensa segurança e senso estético. A delicadeza para narrar a relação com a primogênita é fruto de um belíssimo roteiro escrito por ela em parceria com Carolina Ziskind, e conta com o auxilio de uma trilha sonora pontual e cuidadosamente escolhida.

O filme ELENA se utiliza de buscas detalhadas, revelando desejos e emoções contidas por meio de diversos planos fechados que conseguem aproximar o universo das irmãs – e também sua mãe – de todos que o assiste. Com a câmera percorrendo as ruas em busca do passado de Elena e do presente de Petra, as duas voltam a se encontrar, mesmo que apenas uma possa viver o futuro. Nesse sentido, o documentário não é apenas sobre a personagem-título, mas também sobre a cineasta, que carrega as lágrimas e o sorriso na voz e nos permite visitar seus pesadelos, dores e fragilidades, tanto quanto os de Elena. O longa é a criação de aura quase onírica, ao mesmo tempo sensível e angustiante, mostrando como as marcas, mesmo que nem sempre tão visíveis, continuam lá, assim como as dores.

As feridas deixadas pela partida precoce de Elena são claras nos olhos e nas vozes de todos que dividem as lembranças ao longo do filme, principalmente sua mãe. Nesse aspecto, é importante dizer que o documentário é um relato também de coragem, tanto de quem escolhe viver quanto de quem desiste da vida. E fica bastante claro que, independente da morte, cada fragmento das lembranças sobre Elena nunca abandonaram Petra e, agora, também a todos que a conheceram por meio dessa homenagem e resgate. Elena é como se fosse a irmã que nunca tivemos.

O Tudo e o nada sobre Elena

Por Rainiere, no blog Radar Mundano – 29/9/2013


Premiado na categoria documentário no 45º Festival de Cinema de Brasília, ELENA, de Petra Costa, não passa sem deixar um rastro de emoções em quem o assiste. O gostei ou não aqui ganham conotações diferentes. É impossível ficar insensível ao trabalho da diretora, também atriz, de 29 anos, que apresenta a trajetória feminina familiar, vinda de sua mãe, passando por sua irmã 13 anos mais velha, a Elena do título, e nela mesma. A riqueza do material por elas documentados em câmeras amadoras em seus cotidianos é surpreendente e garante o tom verdadeiro. Em uma dessas cenas, Elena dança com seus longos cabelos no frescor dos seus 16 anos, durante uma festa em que depois Petra aparece em seu colo. Na sequência, ela dirige a pequena irmã, que diz que não pode encenar por estar no banho e não conseguir fazer as duas coisas ao mesmo tempo. A visão desse laço genético está encadeada já com uma sensação de efemeridade, talvez pela infância e juventude latentes das protagonistas e algo de que uma quebra na felicidade desses verdes anos está por vir. O nó na garganta se forma!

Aliada às imagens caseiras, uma fotografia primorosa feita em equipe acompanha o resgate da memória no Brasil e em Nova York. A cidade americana é locação de importância nesse caminho. Nela, as irmãs vivem em fases distintas e em um dos pontos culminantes junto com a mãe. Poderia ser uma ficção intimista, de olhares e planos longos. Mas é a realidade poetizada de uma grande perda que ali tem sua catarse e se torna, de maneira dualista, libertada e presente. Muito a falar, pouco a dizer sobre a obra que surpreende a cada (re)descoberta. Fica o desejo de uma carreira valorizada para o filme, no Brasil e no Exterior, assim como poder ver o que tanto o talento de Petra tem a oferecer, não só na direção, mas como atriz.

Cinema e Psicanálise

Por Thaysa AudujasBlog Poética Desmedida – 24/9/2013

Assisti Elena já tem algum tempo. Conversa com um, indica pra outro e eu sempre estava falando sobre ele. Nas últimas semanas tive um trabalho pra fazer sobre psicanálise, o tema era livre. Então, por que não falar sobre esse filme tão profundo? Foi isso! Duas paixões – cinema e psicanálise. Eu e a Yasmin (minha adorada e sensível amiga) fizemos nossas considerações acerca do filme e de alguns conceitos da psicanálise muitíssimo interessantes àqueles que identificam com a temática. Espero que gostem!

O que é o cinema? Talvez essa questão possa parecer sem sentido. De que maneira nos relacionamos com o cinema e as outras artes? A estudiosa Mirian Tavares diz que o cinema deixa de ser, hoje, fornecedor de imagens que entretém. Na verdade, ele se converte numa imensa fonte referencial que alimenta os outros e se alimenta. “O cinema, neste instante, chega mesmo a ocupar o lugar do real na produção da iconografia contemporânea.”

É sabido que o cinema e a psicanálise surgem, praticamente ao mesmo tempo, e é importante pensar como essas duas áreas são capazes de se constituírem enquanto “ferramentas” para compreensão da psique humana.

Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia, diz: “ver a si mesmo metamorfoseado diante de si e agir agora como se tivesse entrado em outro corpo, em outra pessoa”. Em nossa leitura, esse é o exercício feito por Petra Costa. O filme Elenase inicia com um sonho. Elena encontra-se em cima de um muro alto, enroscada em fios elétricos. A voz narrativa informa que é Petra quem está enroscada. Ela leva um choque e morre. Quem morre é Elena, com 20 anos no início da década de 1990. Nessa época, Petra ainda era uma criança, tinha apenas 7 anos. Elena passa a viver dentro de Petra “sinto você dentro de mim” [1], diz Petra. A irmã viva sente a irmã morta dentro dela.

A mãe das duas meninas sonhava em ser atriz. Sentia também vontade de morrer, mas aos 16 anos, encontrou o pai de suas filhas – um homem recém chegado dos EUA. Quando estão se preparando para combater a ditadura militar na Guerrilha do Araguaia, a mãe é impedida de viajar, está grávida de seis meses. “Elena, você salvou a nossa mãe”. Elena nasce e vive sua infância de maneira clandestina. Petra nasce na abertura política. Elena cresce e vai para Nova York ― inicia-se os sinais de depressão, a ausência de perspectiva para o futuro.

“Esse corpo tá doente. A vida o fez totalmente doente. Totalmente. Aquele eu descontrolado voltou… Eu ajo como se atuasse. Percebo tudo como numa tela de cinema…. Eu vou me degradar e escorrer por esse ralo.”

Segundo Freud (2011:63), a neurose aparece como o desfecho de uma luta entre o interesse da autopreservação e as exigências da libido, uma luta que o Eu vencera, mas ao custo de severo sofrimento e renúncia. Renúncia devido à luta entre o Superego e o Ego. “Um ser dentro de mim que me odeia”. A tensão que existe entre o Superego e o Ego é o que Sigmund Freud chama de “consciência de culpa”; ela se manifesta como necessidade de punição. No filme, torna-se claro essa relação com as cenas nas quais Petra, após a morte de Elena, nega a depressão; e reprimindo-se demasiadamente acaba demonstrando alguns sintomas nas formas de culpa, pesadelos e automutilação ao cortar os pulsos com 7 anos de idade.

Sabe-se que a civilização incita a luta e a disputa na atividade humana. O instinto agressivo deriva-se do instinto de morte, que está ao lado de Eros ― instinto de destruição e instinto de vida. Em conformidade com Freud, “(…) deveria haver, além do instinto para conservar a substância vivente e juntá-la em unidades cada vez maiores, um outro, a ele contrário, que busca dissolver essas unidades e conduzi-las ao estado primordial inorgânico. Ou seja, ao lado de Eros, um instinto de morte. Os fenômenos da vida se esclareceriam pela atuação conjunta ou antagônica dos dois. Mas não era fácil mostrar a atividade desse suposto instinto de morte. As manifestações de Eros eram suficientemente visíveis e ruidosas; era de supor que o instinto de morte trabalhasse silenciosamente no interior do ser vivo, para a dissolução deste, mas isso não constituía prova, é claro. Levava-nos mais longe da ideia de que uma parte do instinto se volta contra o mundo externo e depois vem à luz como instinto de agressão e destruição. Assim o próprio instinto seria obrigado ao serviço de Eros, na medida em que o vivente destruiria outras coisas, animadas e inanimadas, em vez de si próprio. Inversamente, a limitação dessa agressão voltada para fora teria de aumentar a autodestruição, aliás sempre existente.”

Essa é uma luta essencial à esfera da vida humana. A frase que constava na carta deixada por Elena antes do suicídio ― “This time I was not supposed to fight” ― elucida a desistência em relação à vida. Pois, ao não suportar as frustrações e rejeições que foi sujeitada, Elena perde a batalha e comete suicídio.

A irmã mais jovem, Petra, vai crescendo e durante boa parte de sua vida ouve sua mãe dizendo: “Você pode morar em qualquer lugar do mundo, menos em Nova York. Você pode escolher qualquer profissão, menos ser atriz”. Ela cresce e aos 18 anos decide ser atriz. Em busca de um material para participar de um workshop encontra um caderno, a letra de Elena. Encontra angústias que a trazem uma sensação de enorme identificação. Petra começa uma busca visando encontrar um espaço para Elena, um espaço fora de seu corpo. Ela precisava existir e se descobrir, na verdade. Trata-se de ser uma só e não duas. Petra precisa passar por uma espécie de “morte simbólica” para que ela pudesse se revelar. Numa dada altura do filme, Petra ressalta a fala de sua mãe “agora você está mais velha que Elena“. Nesse momento, Petra passa a ressignificar a morte de sua irmã, “o medo de que o caminho fosse o mesmo começou a se desfazer… Tomando forma e corpo, renascendo para morrer de novo”.

Petra diz que Elena é sua “memória inconsolável”, e é chegada a hora de morrer de novo. Parece-nos a única maneira de abrigar a irmã num outro lugar, não mais dentro de si. Elena é a Ofélia que se suicida na peça de Shakespeare, pensa Petra. E essa, é outra Ofélia. “Eu, com muito mais consciência para sentir sua morte outra vez, sinto um imenso prazer acompanhado da dor, me afogo em você, em Ofélias.” Nota-se que a perspectiva de Petra, em relação à morte de Elena, passa por uma ressignificação somente a partir do momento em que a torna consciente. Esse “prazer acompanhado da dor”, para Freud, estaria totalmente relacionado aos instintos de Eros e morte. Em suas palavras, diz: “essa luta é o conteúdo essencial da vida, e por isso a evolução cultural pode ser designada, brevemente, como a luta vital da espécie humana”.

Se, por um lado, Elena não suporta a luta; Petra consegue atribuir um novo sentido a essa batalha. “Enceno a nossa morte para encontrar ar, para poder viver… As dores viram água, viram memória. Desse modo, Petra ressignifica a morte pela última vez, através da sublimação ― processo de transformar impulsos (destrutivos e construtivos) inconscientes em consciência, que seja benéfico e duradouro para a humanidade ―, ao elaborar o filme.

Nos momentos finais do filme, Petra Costa diz:

“As memórias vão com o tempo, se desfazem, mais algumas encontram consolo, só algum alívio nas pequenas brechas da poesia. Você é minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra, e é dela que tudo nasce e dança”.

Essa passagem nos remete diretamente a Sigmund Freud quando aborda os meios paliativos para suportar a vida em sociedade.

“A vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos dispensar paliativos (…). Existem três desses recursos, talvez: poderosas diversões, que nos permitem fazer pouco de nossa miséria, gratificações substitutivas, que diminuem, e substâncias inebriantes, que nos tornam insensíveis a ela. (…) As gratificações substitutivas, tal como a arte as oferece, são ilusões face à realidade, nem por isso são menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que tem a fantasia na vida mental.” (2011, pp. 18-19).

Observamos que Petra encontra na arte, a sublimação, como uma forma de alívio ao criar, produzir e atuar no filme. Dessa forma, a arte pode nos auxiliar a compreender o funcionamento psíquico. Freud, em A questão da análise leiga (1926), abordará a importância da artes (especificamente da literatura) para a formação psicanalítica. Entendemos, nesse texto, a obra de arte – mais do que um objeto a ser interpretado – como um sintoma do artista. Nota-se que o filme produzido por Petra Costa segue no caminho que nos permite “solicitar à criação artística as suas interpretações sobre a alma humana, que permitiriam ver, num jogo de espelhos, a própria face da construção psicanalítica” (KON, 2001, p. 95).

Em nossa ótica fica claro que Petra Costa transforma seu luto num trabalho sui generis, um filme cheio de poesia e sentimento. Petra realiza um diálogo com sua irmã morta de maneira comovente, com poderes curativos. Também é interessante ressaltar a importância da Arte, afinal, mediante a elaboração do filme, Petra, não só sublimou, como também atribuiu um novo sentido à morte de Elena; e, em decorrência desse processo, deu outro sentido para a própria vida ao se desvincular de Elena, no sentido egóico.

Não podemos nos esquecer também que o produto da sublimação constitui num bem cultural que ficará para a posteridade. Nas palavras de João Alexandre Barbosa (1994:24), em “Literatura nunca é apenas literatura” diz que essas “obras perenes, que permanecem, muitas vezes não permanecem pelos seus significados, mas porque nós, seus pósteros, podemos descobrir nelas relações de significantes que levam a outros significados.” Elena morre em vida, enquanto Petra nasce da morte.

[1]  Todas as vezes que aparecerem, nesse texto, citações sublinhadas estamos nos referindo as falas do filme Elena, de Petra Costa.

Referências
FREUD, S. (1914). A questão da análise leiga. In; Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, volume XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 173-248.
FREUD, S.  O mal-estar na Civilização. Tradução de Paulo César de Souza. 1 ed. São Paulo: Penguin: Classics Companhia das Letras, 2011.
KON, N. M. De Poe a Freud – O Gato Preto. BARTUCCI, Giovanna (Org.). Psicanálise, literatura e estéticas de subjetivação. Rio de Janeiro; Imago Ed., 2001, 91-127.
NIETZSCHE, F. W. O Nascimento da Tragédia. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo; Companhia das Letras, 1992.
SAMPAIO, C. P. A incidência da literatura na interpretação psicanalítica. In; BARTUCCI, Giovanna (Org.). Psicanálise, arte e estéticas de subjetivação. Rio de Janeiro; Imago Ed., 2002. p. 153-175.

Como esquecer Elena?

Por Amanda M.Blog aquele em que… – 24/9/2013

Eu senti Elena. Além de assisti-lo, também o senti. O vi há alguns meses e desde então, ele vive dentro de mim, pulsante. Ora me afogando nas mesmas águas turvas de Elena, ora nadando nas águas límpidas de sua irmã Petra. Por vezes bailando, sorrindo e interpretando, outras tantas, angustiada, perturbada e fracassada. Elena inteira; Elena em fragmentos. Não se assiste a um filme desses e simplesmente recomenda-o ao amigo, não se diz : – Vai lá assiste que é bom. Porque Elena ( Brasil, 2012) deve ser sentido, precisa ser sentido; e só quem pode fazê-lo são os frágeis-fortes de alma. Só a contradição dos adjetivos pode fazer sentir Elena, porque cada parte sua deve ser inteiramente perscrutado, sem medo, com a coragem de coração e corpo. Porque depois de Elena, o corpo também se exaure em água, dança, dor, memórias próprias e dos outros e, principalmente, em poesia.

O filme resgata as memórias de uma família, de uma atriz, uma ardorosa amante da arte, a bela Elena; traz à cena o olhar doloroso de uma irmã marcada pela ausência daquela com dividira genes, pais, casa e perspectiva de futuro; uma mãe mutilada pela tragicidade da morte prematura e inexplicável de uma das filhas. Três mulheres atreladas ao destino definitivo e perturbador de uma delas.

O documentário de Petra Costa é quase um tratado poético sobre os laços afetivos e, no caso dela, também biológico. Em Elena, somos confrontados com o entendimento angustiado da profundidade da nossa ligação com aqueles que amamos; o quanto as decisões por quem temos tanto afeto, irão nos impactar de maneira irremediável. E o quanto nós, involuntariamente, influenciamos o destino das vidas que tomamos emprestadas ou definitivamente para nós, sem ao menos, nos darmos conta. O filme nos lembra a todo instante o quanto estamos fatal e irremediavelmente condenados aos laços. Não há como fugirmos deles. Não apaga-os, não afoga-os, não os enterramos nunca. Elena é um ensaio sobre família, laços e memória. Além, é claro, sobre o papel determinante da arte na vida de três incríveis mulheres.

Elena, a personagem título, tem a beleza da outra, com “H” da mitologia, uma beleza impactante, dessas para muito além do estético; diáfana com uma deusa. Sedutora, ela tem como seu amante mais permanente, a arte. Elena ama e se declara constantemente a esse seu amor. Entre as emoções contraditórias de uma relação amorosa ela vive e morre pelo seu amante. Passional ela ameaça: “A arte para mim é tudo, sem a arte eu prefiro morrer”. E Elena é o excesso; quando ela não suporta não é pela ausência, porque Elena sobra, Elena tem excessos demais na alma, Elena não morre, transborda e por isso o filme dói com beleza.

Depois de Elena é preciso que se sobreviva. Mas sobreviver como? Sem Elena? Como esquecer Elena? Depois de Elena, pelo menos duas almas destroçadas, a de uma menina e a de uma mulher. Mãe e irmã da deusa desaparecida precisam curar suas dores e o próprio medo da desistência. Cada qual atrelada, agora mais estreitamente, uma a outra. A terceira partiu. Das três, restam duas. E decisão melhor é não lutar para esquecer, mas lembrar e de tanto lembrar, resgatar; para só assim, despedirem-se.

Elena é a personagem e também o filme; duas Elenas separadas pelos destinos diferentes que a arte marcará as duas trajetórias; para a personagem, sua morte; para o filme, sua salvação. Eu não assistiria a Elena eu o sentiria. Elena foi-se e deixou para trás dor e poesia. Elena não é para os fracos. Elena é para os sensíveis, para os que se deixam levar pelas águas curadoras da poesia.

Filme honesto e de coração aberto

Por Elton Telles, da Gazeta de Maringá – 24/9/2013

Qual a melhor homenagem que alguém pode receber? Imerso em ternura, o belíssimo documentário Elena resgata na memória de sua realizadora, a estreante na direção Petra Costa, as lembranças de sua irmã, a personagem-título, uma jovem transgressora que queria viver o sonho de ir para o exterior e ser atriz de cinema. O filme deixa muito transparente a importância que Elena teve na vida de Petra, e como ela era a sua bússola para tudo no mundo, inclusive para as escolhas que fez na vida. É extremamente tocante observar a profunda admiração que a narradora sente pela irmã, e nem por isso ela soa parcial, já que atribui a mesma importância para como Elena moldou o seu caráter para como a documentada, assim como todos, é um ser humano cheio de imperfeições.

Acima de tudo, Elena é um filme honesto e feito de coração aberto, repleto de insights comoventes e com um texto primoroso. O documentário se divide em filmagens de arquivo da família e a busca pela diretora em encontrar os rastros de Elena por Nova York, onde ela deu seus últimos passos. No meio dessa estrutura tradicional, encontra espaço para se deleitar em cenas transbordadas em poesia e que casam perfeitamente com a narração. É absolutamente admirável a destreza de Petra Costa de expor seus sentimentos mais íntimos, compartilhá-los com o espectador e, sobretudo, convertê-los em um filme memorável. Elena é um grande achado.

 

Elena e os cegos de minha vida…

Por Karla Cajaiba – 21/9/2013

Aos 17 anos fui apresentada ao universo de José Saramago. Tudo parecia confuso, uma linguagem, ate então, inusitada para mim. Pensei em recuar, mas continuava a ler cada palavra de “Memorial do Convento”. Deliciava-me a cada página. Convivi dias com Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, numa história de espiritualidade, de ternura, de misticismo e de magia. Minha paixão pelo autor virou vício e foi assim que conheci “Ensaio sobre a cegueira”. Fiquei perplexa e abalada, me entregava no sofá de casa, chorosa e pensativa. Minha tia pedia para eu parar de ler e se culpava por se dar conta de que aquele podia não ser o momento ideal para tal leitura, tão forte, profunda e um tanto complexa. Mas eu não desisti, chorava a cada página, respirava, recuperava o fôlego e seguia. Criei para mim uma metáfora daquela estória, (ou seria mesmo uma história?). Associei tudo àquilo ao que eu estava vivendo naquele instante. Uma menina nascida e criada na cidade do interior, cercada de carinho, amor, zelo, vizinhos e amigos. Cercada por pequenos conflitos sociais, (além dos políticos, é claro, esses são difíceis em qualquer lugar desse país). De repente se depara com uma sociedade cruel, abarrotada de informações e cobranças diárias, não mais aquelas cobranças provenientes da idade, mas sim uma luta acirrada para sobreviver. Me dei conta que dali em diante não existia mais vida como antes e que naquele instante a guerra começaria. Um tanto cruel minha comparação, mas se racionalizarmos é bem isso. (Óbvio que bons momentos existem, mas a vida não é feita apenas de oba oba e comidinha na mesa). Saramago acabará de descrever o que eu enfrentaria dali para frente: Uma cegueira coletiva, onde poucos, ou raras pessoas se veem e se respeitam. Minha vida adulta estava apenas começando e eu estava sendo privilegiada de ganhar aquele manual de boas vindas à maturidade. Os anos passaram e a vida seguia, as imagens do livro percorriam meus pensamentos como algo corriqueiro, como acordar e escovar os dentes, se alimentar, tomar banho. Enfim, não esquecia cada imagem criada ao ler aquelas páginas. Eram imagens tão fortes e importantes para mim, às imagens eram orgânicas, não se diluíam. Quando de repente surge o filme “Ensaio sobre a cegueira”. Decidi que não assistiria. Para mim as imagens que eu tinha armazenado ao ler o livro já eram suficientes para prosseguir. No ultimo domingo fui ver o filme sobre a história de uma atriz que sonhava em ser artista de cinema. Uma história tão dramática e caótica da vida de um ser que apenas quer ser. Aquilo me tomou de um jeito, me tirando o fôlego, o ânimo e a esperança. Aquele filme me encheu de culpa, até as antigas vieram à tona, as novas decidiram se manifestar e os meus dias foram ficando pesados, tristes e tensos. Elena estava dentro de mim. Não, mas eu não podia carrega-la também, os cegos de Saramago já estavam aqui, não havia mais espaço para outro ser. Definitivamente Elena precisa partir. Petra também junto com sua mãe. Era muita gente, muita culpa, muita sombra para eu dar conta. Mas o que fazer? Tem dez anos que os cegos estão aqui, dentro de mim, penso neles, me indigno com as atitudes e crueldades, me emociono com eles, procuro ver a beleza que eles viram, que experimentaram, mas com Elena seria diferente, dessa vez não, eu não ia dar espaço para conviver com ela. Cheguei em casa após uma aula, onde Elena, mais uma vez em menos de uma semana, era assunto para mim e pensei: Hoje ela vai embora, não preciso guarda lá aqui. A única forma de tira lá de mim era reforçar a imagem dos cegos de Saramago. Decidi então que juntaria as minhas imagens e as do filme e eles ganhariam mais espaço em meus pensamentos, eles ficariam mais presentes em mim e Elena iria embora, desse jeito, bem sutil, nem precisaria expulsa la, ela partiria se dando conta de que aqui não havia mais espaço. Deitei-me no sofá, liguei a TV e dei play naquele filme gravado há pouco mais de um ano. Eu precisava recompor minhas imagens, ver o rosto daquela mulher, a única que enxergava em meio aquele caos e devaneio de Saramago. Ela era quem ia por para fora a tal Elena, a intrusa viera me perturbar minhas noites e os meus dias. E assim a cada gesto daquela mulher, a cada olhar, eu pensava: isso tudo já é suficiente para mim. Mas foi ai que tudo começou. Elena deixa de ganhar espaço para Petra penetrar meus pensamentos, olhava para o filme e Petra vinha a minha frente, pensei: devo ser louca ou estar louca, o que Petra tem a ver com isso agora? Lembrei que hoje eu soube o significado de seu nome e que aquilo havia mexido comigo e dado força para ela também penetrar meus pensamentos: rocha, pedra esse é o significado, o que explica muito de sua personalidade, nada frágil por sinal. Saramago também criou sua Pedra/Petra. Aquela mulher, a única que enxergava. Petra também foi à única que enxergava o mundo e as coisas ao seu redor. Porque a mãe fechou os olhos, Elena só enxergava a si própria, ou melhor não enxergava nem a ela mesma. Ela estava afogada demais em seus devaneios para ver quanta vida existia. A mulher de Saramago era doce, era leve, era amável. Acolheu a todos. Perdoou uma traição. Petra também se acolheu, Petra também se amou e segurou a barra da mãe. A mulher de Saramago foi tão forte, tão brava, tão serena que trouxe a visão de volta para os outros, ela devolveu a visão a cada um deles, mostrando que os olhos estão além da alma. Petra trouxe para o mundo a sua dor transformada em superação através da arte. Petra encanta a cada um de nós, pobres mortais com a beleza de ser leve e de amar! As mulheres, todas elas se fundiram em uma só, não tinha mais espaço para denominações, então decidi abortar os nomes e ficar com a imagem e a força que elas possuem. Eu descobri que sempre há espaços dentro da gente para mais sentimentos e também para dores. Petra e sua família saiu do meu estomago e seguiu para meus pensamentos junto aos cegos e a mulher de Saramago. Descobri que digeri la podia durar anos e que isso poderia me causar um mal estar constante. Ela em meus pensamentos torna-se mais leve, mais doce. Sinto-me mais serena e mais tranquila de que nada é definitivo. Nem precisa, pois tudo é um ciclo que gira e que volta, que dói e se cura, que entra e que sai, que permanece e encanta. Estou entulhada de imagens/ação!!! Ufa.