Em busca do próprio corpo

Eliane Brum - blog da revista Época - 6/5/2013

O ato extremo

Michel Laub - Folha de São Paulo – 10/5/2013

Uma carta de amor sem fim

Consuelo Lins - O Globo – 9/5/2013

ELENA é cinema intimista

Por Flávia Guerra, em odiario.com – 20/9/2013


“Você é minha memória inconsolável”, diz a narradora, e diretora, Petra Costa a Elena, sua irmã, que ela perdeu aos sete anos e para quem dedica o longa-metragem homônimo, o primeiro de sua carreira (que chega aos cinemas de Maringá nesta sexta-feira). Quem é Elena? Nascida em plena ditadura militar, filha de pais militantes, Elena é a garota que passou a primeira infância escondida, que viu na adolescência o Brasil se abrir e ganhar modernidade e que viu também a irmã Petra chegar em 1983, quando ela tinha 13 anos. Viu chegar também a vontade, e a necessidade de se tornar atriz e de tentar a carreira em Nova York, para onde se mudou. Pouco tempo depois, viu seus sonhos ruírem diante dos tantos nãos que recebeu. Viu-se diante da impossibilidade de praticar sua arte e da vontade e de morrer.

A morte de Elena deixou na irmã Petra a memória e a perda que a acompanharam por anos e que a levaram a, em 2003, 13 anos depois da partida de Elena, matricular-se no curso de teatro da Columbia University. “Voltei para NY para também ser atriz, percorrer seus passos, na esperança de encontrar as memórias que ela escreveu em seus diários. Eu a buscava pelas ruas da cidade”, conta a diretora.

É esta memória que não tem consolo, não se esquece, mas dá, em vez de somente dor, origem e sentido a tudo, inclusive ao filme. “Qual é nossa saudade inconsolável? Cada um tem a sua. E muitas vezes a gente evita até de pensar nesta memória e, em vez de aprender a dançar com ela, nega”, comenta a diretora, que fez de seu primeiro longa muito mais que um documentário clássico. Ao narrar em primeira pessoa, em uma conversa com Elena, Petra escreve um diário muito pessoal da busca pela memória da irmã e da luta para aprender a lidar com tamanha ausência.

Busca, encontro e despedida

Por Leonardo Gomes, no blog Empório de Opiniões – 20/9/2013

ELENA é um documentário baseado na vida da atriz Elena Andrade, irmã mais velha da diretora Petra Costa. O longa relata a busca pela identidade de Elena, com apenas pistas: fitas de vídeo, recortes de jornais, diários e cartas, Petra espera encontrar Elena a qualquer momento pela ruas de Nova Iorque. Aos poucos, os traços das duas se confundem e já não se sabe quem é uma e quem é a outra.

De forma bastante íntima, no início temos diversos vídeos caseiros mesclados com cenas produzidas e memórias narram um pouco do panorama de cada época e fase vividas pelas irmãs até a ida de Elena aos Estados Unidos para realizar o sonho de ser atriz. Aqui começamos a descoberta e investigação junto com Petra, o filme é envolvente e nos coloca diante das emoções e segredos de cada uma, gerando grande empatia sem que isso signifique esquecer porque estamos ali: quem é Elena?

Do meio para o fim perde-se um pouco o ritmo, talvez pela falta do tom íntimo do início, já que não há mais vídeos caseiros, e cai numa melancolia um tanto exagerada. Petra coletou muitos depoimentos de amigos e de pessoas que conviveram com Elena enquanto ela morava em Nova Iorque e aqui eles parecem fazer falta, a opção por deixar apenas o depoimento da mãe ao mesmo tempo que cria profundidade à jornada de descoberta, acaba deixando o filme mais fechado.

Não é algo que prejudique a composição como um todo, a linguagem poética se mantém e ganha mais força com as cenas na água que fecham o ciclo do documentário: a busca, o encontro e por fim a despedida.

“Elena” ainda tem o mérito de conquistar o público brasileiro tendo um formato fora do padrões comerciais, chegando a marca de 50 mil espectadores na décima semana de exibição!

Elena é água

Por Maria Fernanda Cavalcanti, no blog Praça da Fabico | UFRGS – 17/9/2012

Vestidos leves de seda dançam na água em um fundo escuro quase negro. A voz que rompe a música narra e denuncia no tom a vontade que tem de reencontrar Elena. Quem fala é Petra Costa, diretora e roteirista que decidiu juntar as peças sobre a história de sua irmã Elena depois de ter embarcado para Nova York em busca do sonho de ser atriz de cinema. Na época Elena tinha 18 anos e uma vontade incontrolável de viver de arte, desejo herdado da mãe, Li An, jornalista.

Lançado em junho de 2013, o filme biográfico é um tapa doce. A película se torna um tesouro de família à medida que a maioria das cenas é retirada de vídeos caseiros, feitos pela irmã mais velha e a mãe. A estética intimista e suave dos VHS adocica uma história que aos poucos vai se revelando dura e dramática.

Em Nova York, Elena sente a força da cidade e dos seus medos e frustrações que afloram com o passar dos dias. “Será que minha raiz vai ser forte o suficiente para destruir asfaltos (…) crescer e gerar frutos?”, pergunta-se em um dos muitos diários falados que enviava à família no Brasil. Elena não gostava da sua caligrafia, por isso falava. Mas a fala que Petra procura não havia sido gravada pela irmã, é o que denuncia os silêncios em cada cena de indagação da jovem diretora.

Dança, água, movimento. Mãe e irmã caçula percorrem um longo caminho para conseguir evitar que Elena escape entre os dedos, mas não é possível. Elena é água. Então com 20 anos, a irmã mais velha deixa uma carta datilografada e procura a morte. O suicídio pode ser o fim de uma dor solitária, mas também deixa um rastro com outras tantas que nem se conhece. O rosto da mãe, subitamente marcado pela ausência abrupta da filha, já não consegue mais sorrir nos vídeos VHS. A culpa toma conta do peito e da cabeça. Em uma cena dentro de uma piscina a mãe silencia de olhos fechados, buscando Elena.

Mas o filme revela que a água que escorre bate no chão e gera vida. A narrativa de Petra é corajosa, expõe uma ferida familiar em carne viva, mas as sinuosidades do enredo mostram que logo vem a água, ainda mais forte e clara, que limpa, alivia e nutre – mesmo aquelas feridas que não podem estancar.

Poesia dos que ficam

Por Marina Franco, enviado pelo Facebook – 15/9/2013


Paro nos setenta minutos faltando dez para que o vídeo acabe apenas para secar as lagrimas de um choro puro e involuntário que brotou em alguma fala de Elena, Petra ou de sua mãe. Esses minutos, que se passaram imperceptíveis a mim, parecem ter passado como o peso de uma eternidade para elas.

Para mim, cada minuto do filme é um corte fundo na alma, é uma respiração pesada preenchida com a dor silenciosa, uma dor que apenas se sente. Uma dor cantada pela luminosidade do longa, uma dor cantada pela mão da mãe de Petra em seu peito, no coração. Respiro fundo. Volto a soltar o filme, apenas para ver se as duas irmãs se encontram. Volto a soltar o filme, apenas para chorar novamente.

Pergunto-me se o que eu vejo é de fato um documentário, um filme, ou se na verdade, é apenas alguém dando vazão aos sentimentos por alguém que se foi em forma de arte. E me pergunto se esse alguém realmente se foi. Porque parece que está ali, em algum canto escondida, desparecida em uma cidade grande, no meio da multidão. Alguém que não é apenas mais uma na multidão.
Elena é real. Ela existiu. Existiu em algum tempo e espaço na vida de alguém. Elena é o nó invisível que une a mãe a irmã Petra em apenas uma só pessoa. E é esse nó que o documentário inteiro dialoga.

O inicio do documentário tem suas cenas montadas para acompanhar a narração de Petra que noz introduz sua irmã Elena e a história de sua família e seu mundo: cenas de Nova Iorque, de pessoas andando na rua são construídas para nos fazer crer que sua irmã está entre elas como se fossemos encontra-la ali, o que me faz pensar até que ponto a dor e o carinho, o desejo de reencontra-la, e a vontade de ser como ela para diminuir a ausência se mistura em Petra.

Entra em tão, as cenas de dança contracenadas mais uma vez com as da cidade conforme as gravações de Elena sobre sua vida em Nova Iorque, sobre a busca de seu sonho de ser atriz de cinema que parece que é em vão deixando incerto o momento em que ela começa a se auto destruir: a separação de seus pais ou a sua sensibilidade artística que a inunda como uma onda de escuridão e melancolia.

Mas ao longo do documentário inteiro, não sabemos quem Elena é. Temos apenas sua voz, que é facilmente confundida com a voz da irmã. Temos o seu rosto por inteiro, e nunca o rosto inteiro de Petra. A fotografia desfocada apenas nos mostra a visão de Petra, que se confunde e é sendo tragada cada vez mais em sua irmã, seguindo os seus mesmo passos. O passado e o presente também se confundem.

A montagem fluída do documentário, a presença da água atrai o telespectador para um universo paralelo em que mãe e filha se dissolvem em água: a fluidez da dor e os sentimentos de perda e morte em que elas se afundam.

Na minha conclusão de alguém que está começando a cursar comunicação social, digo que este documentário é carregado de poesia: aquela poesia de amor e luz que explode no coração de quem conhece a morte, de quem já perdeu alguém. A poesia daqueles que ficam.

Narração intimista

Por Joaquim Henrique, em CultExploitation – 15/9/2013

Petra tinha sete anos quando perdeu sua irmã, uma fatalidade que marcou sua família. Vinte anos depois, ela realiza um documentário para relembrar os fatos e de certa forma “cartazear” os sentimentos que ainda a perturbam.

Usando uma narrativa que procura entender melhor o que houve, com bastante intimidade e franqueza, realiza um filme poético, lindo e dolorido. Uma dor encontrada na depressão e na solidão das personagens.

É muito bem fotografado, principalmente no uso contínuo de planos fechados, e com um ritmo correto provocado pelas imagens de arquivos coladas nas entrevistas.

A narração intimista da diretora-personagem é outro achado que só torna mais belo este filme raro.

Elena e as sereias

Por Marco Spinelli – 15/9/2013

Durante a sua longa e dolorosa jornada de volta à Ítaca, Ulisses desceu aos Infernos, enfrentou todo tipo de monstro. Várias vezes ele teve que atravessar, literalmente, passagens com seres monstruosos. Numa delas, as fragatas de Ulisses teriam que atravessar mares infestados não de tubarões, mas de seres ainda mais terríveis, as Sereias. Esses seres mitológicos, metade peixe, metade ninfas, emitem um canto indescritível que arrastam os marinheiros para o fundo do mar. Ulisses tampou os ouvidos de todos os tripulantes com cera de abelhas, e pediu para ser amarrado ao mastro, para não se atirar nos braços da morte. Foi só assim que ele atravessou esses mares, já que não ouviram os seus gritos implorando para ser solto.

Assistindo o filme-exorcismo de Petra Costa, “Elena”, o que me veio foi exatamente a Jornada Noturna de Ulisses. O filme descreve a busca da diretora pela memória de sua irmã, que dá título ao filme. Sabemos pelas resenhas que Elena se suicidou há mais de duas décadas. O filme será sobre a busca da memória, de uma irmã que morreu quando a diretora tinha sete anos.

Petra descreve a fase negra de sua mãe, que passou toda a sua adolescência com a sensação profunda, aterradora, de falta de significado na vida. Chegou a cogitar, seriamente, por fim á própria vida se não encontrasse seu caminho. Tentou ser atriz mas não seguiu na profissão. Na Minas Gerais dos anos sessenta, ela encontrou o seu marido, casou e lutou contra o regime militar. Foi salva de ir pegar em armas no Araguaia com a gravidez de Elena. Petra nasceu quando Elena já era uma pré adolescente que sonhava com o Teatro e a Dança. O sonho que a sua mãe não conseguiu realizar (em terapia sabemos que é sempre muito perigoso aos filhos os sonhos não realizados de seus pais), Elena começou a perseguir. Entrou para um grupo, o Boi Voador, aos 17 anos. Depois de um tempo, foi tentar a sorte na América. A solidão e a distância de sua família a jogaram em sua primeira Depressão. E pensar que nessa época eu já carimbava as minhas primeiras prescrições psiquiátricas. Com a separação de seus pais, Elena volta a Nova Iorque com a sua mãe e sua irmã. Foi lá que a sensação de vazio e de falta de sentido foram se tornando mais devastadoras. Um dia, após uma briga feia com sua mãe, saiu pela noite da Big Apple jurando que daria cabo de sua vida. Voltou depois de algumas horas, passou pelo psiquiatra, tomou medicamentos. O colega achou que suas variações de humor fossem causadas pela Bipolaridade. Elena se suicidou com um coquetel de medicamentos e álcool. Não usou psicotrópicos para isso e pelo que entendi demorou para ser atendida. Não há nenhum Pronto Socorro do mundo que não receba em todo plantão uma meia dúzia de mocinhas que tomam meia dúzia de Tylenóis e vão para o PS com cara de suicidas. Será que eles interpretaram a chegada de Elena dessa forma? Não sei. Petra passou pela mesma jornada noturna quando estava às portas de escolher o mesmo caminho de sua irmã morta. Petra queria ser atriz e começou a ser tragada pelo mesmo silêncio que quase engoliu a sua mãe e dissolveu a sua irmã.

Petra descreve, em carne viva, como foi percebendo, tomando consciência, entrando e saindo da morte de sua irmã. Várias vezes, de diversas formas. O filme talvez seja uma operação alquímica de Separatio. Petra separa a sua trajetória das dores e das perdas de sua mãe e irmã. Nas cenas finais, ela sai de uma água uterina e respira. Profundamente. Ela respira um ar que é seu, uma angústia que é sua. Não tem mais que carregar as angústias de Elena, as mesmas que deram fim à sua vida.
Como na jornada de Ulisses, passamos por vários momentos em nossa vida em que ouvimos o canto doce das sereias, prometendo libertação e alívio de nossa maior angústia, que é o Devir. Pulamos do barco, por medo de não atravessar os estreitos nem ultrapassar as tempestades.

Não posso dizer que recomendo esse filme aos leitores desse blog. Só digo que é muito bom ver um filme quase caseiro (e nacional) chegar a esse nível de expressão, em tempos de “E aí, Comeu?”.’

Sentimentos similares

Por Fanny Ladeira, no blog Café com Blá, Blá, Blá

Não há palavras para descrever ELENA, documentário nacional, lançado esse ano, produzido pela Busca Vida Filmes, e apresentado em importantes festivais de cinema como o Tribeca.

Porém, acredito que Elena foi feito exatamente para não  ser descrito em palavras. Acompanhando a história real  de Elena Andrade, e sendo narrado, montado e dirigido por sua irmã mais nova, Petra Costa, o documentário mostra através de vídeos, cartas e depoimentos pessoais da própria Petra, a bela e trágica trajetória da sua irmã.

Nos 82 minutos, somos apresentados de uma forma bonita, delicada e bem artística à vida de Elena, e mesmo para quem não conhece a história dela (como eu), fica aquele sentimento de proximidade com toda a situação, desde a frágil vivência de Elena em Nova York, chegando a sua relação com a atuação.

Eu havia visto o trailer desse documentário, antes de um filme, e fiquei muito ansiosa para vê-lo, até pensei que poderia ser um daqueles casos em que o trailer é melhor do que o filme.

Mas assim como a própria história, Elena nos surpreende, e consegue ser uma das melhores coisas em cartaz  atualmente, trás uma suavidade e ao mesmo uma crueza da nossa relação humana, que me comoveu e me surpreendeu.

Infelizmente, para Elena a dor e o vazio da vida foi demais, mas é tocante ver uma pequena parte dela, atingindo tantos lugares.

Como disse, não é um documentário que pode ser descrito em palavras, mas no final, é possível perceber a similaridade dos sentimentos descritos por Elena, com o mesmo sentimentos de Petra, com o mesmo sentimento da mãe delas, e se você se abrir para a experiência, poderá perceber até a similaridade com os seus sentimentos.

A realidade é que todos nós sentimos essa mesma dor, e esse mesmo vazio (em níveis e  momentos diferentes, mas o mesmo sentimento), e não é ele que torna a jornada de cada um diferente, mas sim como escolhemos lidar com ele.

O espelho tem duas faces

Por Vitor Ferreira, no blog Cinema, Alucinógenos e Canarinhos

Nota: 8,0

Recentemente um documentário brasileiro tem feito sucesso, sido bastante comentado na internet e nas redes sociais, recebido alguns prêmios tanto no Brasil como no exterior e sido cotado para representar o Brasil para a disputa do Oscar de filme estrangeiro. Escrito, dirigido e narrado por Petra Costa, sobre a vida de sua irmã, Elena Costa, que sonhava em ser atriz em Hollywood e se mudou para Nova York para estudar e seguir o seu sonho. Intercalando vídeos caseiros de arquivo pessoal com caprichadas e melancólicas composições visuais de uma Nova York atual, uma trilha sonora bonita (porém depressiva), contando um breve histórico familiar e seu contexto social, e sempre narrado com um tom meio emocionado, meio desanimado da diretora, não consegui bem ao certo discernir, aos poucos vamos sabendo os rumos que a vida destinou à Elena.

Antes de tudo, vale ressaltar que essa é uma obra extremamente pessoal. E longe de mim querer dizer como cada um deve lidar com sua perda, com o seu luto. Mas já que estou dando opinião sobre o filme (e não sobre como superar traumas, pois não tenho competência para tal), no meu ponto de vista me pareceu ser muito masoquista. Não cheguei a achar sádico, pois eu, pessoalmente, não “sofri” em nenhum momento do documentário, mas essa é uma outra interpretação que eu não teria dificuldades em ver.

Até porque qualquer pessoa que tenha assistido ao menos ao trailer sabe que Elena está morta. O que nos leva a acompanhar tudo é saber como os fatos se desenrolaram, até porque em quase todo filme a gente já sabe como vai terminar, sejamos sinceros. Finais surpresa são raros, são arriscados e não são exatamente unanimidades. Então não houve surpresa alguma no andar dos acontecimentos.

Ou talvez seja uma forma da diretora finalmente encerrar esse episódio da sua vida e seguir adiante. Uma forma de terapia mesmo. Ou pode não ser nenhuma das duas coisas. Mas essa é a impressão que pra mim ficou, do alto da minha ignorância das vidas privadas alheias (a quem fui convidado a testemunhar).

Então, enquanto eu assistia, tudo o que passava pela minha cabeça era como essa história poderia ser contada de tantas outras formas mais interessantes, se uma pessoa com maior distancia pusesse as mãos no roteiro. E certamente a personagem Petra/Elena seria um personagem de uma carreira para qualquer atriz.

Pelo trailer me parecia um thriller, um filme de mistério, tipo Cisne Negro ou Mulholland Drive. Eu não imaginava, não fazia ideia de como seria como documentário. Não tinha clipes de entrevistas, ou tabelas, gráficos, nada peculiar ao gênero no trailer. Apenas uma mesma voz em off e imagens bem difusas. Logo aguçou minha curiosidade.

E talvez por eu estar mais acostumado com esse outro formato documental mais padrão, isso me fez parecer que ELENA seja um documentário um pouco pobre de fontes. Tudo tem (ao menos) dois lados, e em documentários normalmente vemos diversas opiniões e visões conflitantes sobre determinado assunto. Mas nesse realmente não há como ter espaço para isso. Confesso que a narração distante e um tanto descompromissada e o tom “poético” me cansou após poucos minutos.

E o clímax do filme acontece pouco depois da metade, ainda longe do final. E os minutos restantes não me diziam bem ao certo o porquê de ser. Pareciam mais uma súplica para que a audiência partilhasse da mesma dor da realizadora, eis o sadomaso por mim comentado antes. Lembrou-me daqueles vídeos e slideshows com poesias ou mensagens edificantes e fotos bonitas desconexas que mandavam em correntes por email nos primórdios da internet. Quem nunca viu aquele “A vida é como uma viagem de trem”?

Petra e Elena são muito parecidas, tanta no voz quanto no físico, e elas se confundem demais. Esse, para mim, é o principal trunfo do filme, o que ele tem de mais interessante. Muitas das vezes eu não conseguia diferenciá-las, se era um antigo vídeo de Elena, se era Petra ao se mudar para Nova York recentemente, etc. E essa confusão me dizia que a identidade de Petra esteve sempre atrelada a existência da irmã na sua vida. E o filme, de certa forma, é uma necessidade que ela tem de se auto-afirmar e buscar a sua própria identidade, mas sem se desfazer da importante memória da irmã.

Simples e pesado ao mesmo tempo

Por Stefanny Oliveira, Filmes e Games – 12/9/2013

Quão triste pode ser a vida de uma garota de sete anos que perde sua irmã tragicamente? Eu vivi isso somente assistindo a este documentário. Acho que nunca me senti tão afetada vendo um filme baseado em fatos reais e, nesse caso, assistindo a um documentário sobre como um ato fatal pode mudar o rumo da vida das pessoas.

Elena era a irmã mais velha de Petra Costa, a diretora e narradora do filme. Desde pequena sempre sonhou em ser atriz e ao ganhar a primeira câmera de seus pais, fazia filmes caseiros tendo sua irmã, ainda bebê, como co-protagonista. Adolescente, entrou para um grupo de teatro e chegou até a sair nos jornais. Quando Petra completou 7 anos de idade, Elena foi para os Estados Unidos tentar ser atriz de cinema, entrou para uma escola importante e fez vários testes em várias companhias. Infelizmente não foi chamada. Voltou ao Brasil mostrando os primeiros sinais de uma depressão e voltou com a família para os EUA quando recebeu uma ligação de sua escola de teatro. Tentou de novo. Mas quando viu que nada do que queria estava dando certo, começou a desistir. Então desistiu de sua própria vida.

O modo como Petra narra cada acontecimento, o modo como as imagens surgem na tela, mesclando o passado com o presente, a música (aqui uma das músicas que mais me chamou atenção “Valsa Pra Lua” de Vitor Araújo, jovem pianista pernambucano. Confesso que quando a música começou a tocar numa cena em que Elena dança com a lua, todas as lágrimas presas em meus olhos se derramaram) tudo contribui para o modo simples e ao mesmo tempo pesado com que a mensagem precisa ser passada: o combate ao suicídio.

Esse documentário foi uma das maiores experiências que tive no cinema. Sentimos tudo o que Petra sentiu, desde sua alegria até sua tristeza pela perda da irmã. E ao conhecermos Elena, nos sentimos próximos dela, próximos daquilo que ela sonhou. Confesso que, ao escrever este texto, mesmo depois de um mês, ainda choro ao lembrar da história, ainda choro ao ouvir a música de Vitor Araújo, ainda choro ao ver o trailer…

Petra queria que todos conhecessem sua irmã… E agora o mundo passou a conhece-la.

Nota 10 de 10.

Indizível

Por Jussara D Leite, no blog da EBP-SC – 12/9/2013

O filme começa com Petra relatando um sonho onde ela se confunde com Elena. O sonho, segundo Freud, é a via régia para o inconsciente. Numa entrevista, Petra diz que teve esse sonho em julho de 2009 e que foi muito angustiante por ela não saber se era ela ou Elena quem morria.

Petra continua sua narrativa de abertura: “Nossa mãe sempre me disse: que eu podia morar em qualquer lugar do mundo, menos Nova York. Que eu podia escolher qualquer profissão, menos ser atriz.”. Da maneira como Petra dispõe sua narrativa relatando o sonho, de entrada, e a seguir mencionando um dito da mãe, me fez pensar que esse dito da mãe tomou o valor de um oráculo para ela, algo que lhe foi dito e que ela não mais esqueceu, que se inscreveu de forma insistente e que, de alguma forma, determinou seus caminhos, desvios, escolhas. Como um destino a ser cumprido.

Quando uma pessoa procura uma análise, o analista escuta em suas palavras vários enunciados essenciais que vão cingindo um enunciado mais fundamental. Nesse percurso de uma análise, o paciente descobre que ele dedicou sua existência a verificar esse DITO FUNDAMENTAL, seja para confirmá-lo, seja porque se enveredou no sentido de desmenti-lo. O paciente pode responder à questão de até que ponto esse dito marcou sua vida determinando suas escolhas. Ou seja, até que ponto os caminhos e vicissitudes de sua vida são redutíveis ao efeito dessa marca significante. Parece-me que o filme se desenvolve por aí, ao redor dos efeitos da inscrição de uma palavra dita na história de um sujeito, dos efeitos surpreendentes e impressionantes em sua vida.

Petra conta (entrevista disponível no You Tube – Programa Andante – Elena) que, quando estava com cerca de dezoito anos, fazendo um work shop no Teatro da Vertigem, teve a tarefa de montar uma cena a partir de uma frase: “LIVRO DA VIDA”. Diz que, como não tinha orientação religiosa, foi em busca de seu diário e, num baú de livros antigos, achou um diário de Elena. Começou a ler e teve a sensação de se encontrar com “algo como um destino, um destino temeroso. Parecia que eu tinha achado um livro sobre o meu destino e tive muito medo de que fosse acontecer comigo o que aconteceu com Elena”. Petra continua: “E o filme é um pouco a investigação desse medo”. Petra se encontra com um enorme material produzido por Elena: mais de vinte horas de cartas gravadas em fitas cassete, filmes e escritos. Diz que se identifica com a irmã e se confunde aí. E Petra, a partir desse material, se pergunta: “Como será que esse tempo ficou no seu corpo, na sua memória?”.

E nós podemos perguntar:

– O quê a linguagem determina no sujeito? Como isso acontece?

– O quê a verdade do inconsciente deve à palavra, ao significante?

Sabemos, com Freud e Lacan, que o “mais profundo afeto é regido pela linguagem”. (ESCRITOS, p.367). Acreditamos nos efeitos da fala sobre o corpo. A descoberta de Freud se ordena em torno de algo que o sujeito não consegue nomear e que o reenvia a um vazio. Vazio que Elena toca e alude quando fala que está gorda, que come muito e que o vazio continua. Palavras e atos tentando dar conta do que não fazia sentido em sua existência. Fala de sua decadência: “agora vou me degradar e escorrer por esse ralo”. Elena, que na sua infância viveu a clandestinidade dos pais, chega a sonhar com um OUTRO LUGAR. Philippe Lacadèe fala do adolescente fugitivo que sonha com um outro lugar como forma de fuga ou errância. O OUTRO LUGAR, que atrai os jovens, aparece então como uma possibilidade de nomear o inominável do lugar subjetivo que o jovem habita, uma forma de se separar ou evitar o encontro com o gozo em demasia que perturba o jovem que não pode enuncia-lo. Elena é tomada por esse indizível, inassimilável pelo significante, e desemboca no pior.

Já Petra, faz do indizível, um mistério. Faz um percurso na direção de um mistério a ser decifrado. Segue decidida em busca dessa revelação. Revelação que se impõe de tal forma, toma uma dimensão tão grande, que ela se “alielena”. Petra diz: “Elena tomou uma dimensão tão grande que eu fui desaparecendo”. E ela segue, persegue por um tempo o rastro da ausência da irmã, repetindo, de maneira inconsolável, os ditos marcados em sua memória.

Podemos pensar o filme como uma construção, uma trama imaginária e simbólica tecida como um véu frente ao inominável, ao impossível de suportar do que se revelava como o destino da irmã e também o seu. Petra se engendra aí, tece e desfaz nós até que se separa da irmã e se apropria de um destino seu, singular. Para terminar, Petra diz ao final do filme: “Você é a minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra, e é dela que tudo nasce e dança.”.

Bem, “a análise é um modo novo e singular de gozar da linguagem e de fazer brotar dela alguma coisa rara!”.